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CRÍTICA
Com ironia, autor exibe crepúsculo dos sentimentos e angústia moral
DA REPORTAGEM LOCAL
"Entre os chineses, o limão é
o símbolo da morte", diz Julian Barnes em "O Silêncio", o
conto final de "Um Toque de Limão", que reproduz a frustração
com o tempo e as reticências com
a vida do compositor Sibelius
(1865-1957). O título do livro de
Julian Barnes expressa bem sua
idéia. Em todas as páginas há acidez e amargura, ainda que estejam cheias de humor.
"O Silêncio" é o melhor conto
do livro, seguido de "O Reviver",
que tem como personagem o russo Ivan Turguêniev (1818-1883).
Este se apaixona por uma jovem
atriz e vive o dilema de assumir o
amor contra si e apesar dos outros. Uma viagem de trem é o momento-chave poético que resume
seu conflito interior. E uma festa
com seu amigo e rival Tolstói é a
ocasião para Julian Barnes confrontar frivolidade com ascetismo, contrastar união e celebração
com solipsismo.
Em "O Cercado das Frutas",
uma mulher de 80 anos se separa
do marido de 81, depois que este
arruma uma amante de 65. Chamado a intervir, o filho interpela a
estranha e descobre que o pai, na
verdade, era uma vítima silenciosa de violência doméstica.
Em "Vigilância", um habitué de
concertos -a música é um de
seus últimos prazeres concretos- passa a desenvolver fantasias de vingança contra espectadores que ousem atrapalhar o andamento das peças ao tossir. Ou
simplesmente por carregarem
mulheres mais jovens e sensuais
aos auditórios, trocando carícias
entre as notas, evidentemente
afrontando todos os demais
-bem, pelo menos ele.
Angústia, morbidez, impotência, perda de memória, rabugice,
egoísmo, ternura, declínio e fim.
O crepúsculo dos sentimentos, o
desfile dos males e suas derivações que se agravam com a idade
marcam com acidez os 11 contos.
Ainda que não tenha a riqueza
de sua melhor obra, "O Papagaio
de Flaubert", "Um Toque de Limão" reafirma o talento e a versatilidade de Barnes, autor que integra -com Ian McEwan e Martin
Amis- o trio que renovou a prosa britânica, colocando-a em primeiro plano no cenário mundial.
Barnes escreve com inteligência
e virtuosismo. Sofisticado, se
apropria dos clichês, impregnando-os com ironia. Mas não é condescendente, não se furta à dureza
crua do declínio físico, da decomposição orgânica e das fraquezas
morais. Na verdade, cria um auto-de-fé das emoções humanas, confrontadas com o fim inclemente
que se aproxima em silêncio. É
uma visão otimista?
(MS)
Um Toque de Limão
Autor: Julian Barnes
Tradução: Ana Deiró
Editora: Rocco
Quanto: 272 págs. (preço a definir)
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