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Crítica/"Em Busca da Vida"
Jia Zhang-ke alcança esplendor do cinema em seu quinto longa
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Depois de uma turbulenta apresentação durante a Mostra de Cinema de SP no ano passado,
que exibiu uma cópia que no
mínimo distorcia as intenções
estéticas de seu realizador, o
público pode ver, a partir de hoje, com a devida fidelidade a seu
esplendor a magnitude do cinema que o chinês Jia Zhang-ke
alcançou em seu quinto longa.
"Em Busca da Vida", tradução de poesia canhestra do original "Still Life" (expressão em
inglês que designa as pinturas
que chamamos de "natureza-morta"), é uma exploração dos
novos recursos da imagem digital na captura do quanto sobra
de vida mesmo sob escombros.
O longa de Jia acompanha
dois personagens, em busca de
laços afetivos rompidos, que
vagam pela cidade em destruição/reconstrução na região da
hidrelétrica das Três Gargantas. Com uma opção formal em
que predominam os planos
abertos, o cineasta capta as
transformações da paisagem e
ao mesmo tempo as mutações
nas vidas de seus personagens.
Outra força que amplia o vigor do trabalho de Jia em "Em
Busca da Vida" está em sua retomada de um dos pilares de
apoio do cinema moderno.
Em ruptura com o cinema
clássico, baseado na idéia do
controle (da luz, dos cenários,
das atuações) e por isso preso
ao predomínio das filmagens
em estúdio, o cinema moderno
se constituiu a partir da libertação dessas regras.
Foi quando seus precursores,
no neo-realismo italiano, partiram para as ruas, que a realidade de um mundo em ruínas ganhou as telas sob uma nova forma de representação, menos
sujeita à imposição da linearidade e mais apta a representar
o caos do imediato pós-guerra.
Desde aquele momento, a perambulação tornou-se um potente efeito dramático. Dos filmes de Rossellini aos dos cineastas da nouvelle vague e sobretudo na obra de Antonioni,
o que mais se vê são personagens vagando por ruas, num
eterno movimento que transmite a ausência de sentido do
novo mundo e a vacuidade que
esta produziu nas almas.
Manifesto político
A retomada do procedimento por Jia Zhang-ke neste "Em
Busca da Vida" não se resume a
um efeito de estilo. Trata-se de
buscar uma forma justa para
capturar, transmitir e enfatizar
o sentido de um conteúdo ou,
como se diz em termos específicos da linguagem cinematográfica, uma "mise-en-scène".
Nesta escolha, a perambulação se justifica do ponto de vista dramático (os personagens
estão em busca de pessoas) e
cênico (enquanto perambulam
percorrem um espaço do qual
as imagens registram as transformações).
Mas, além de sua superioridade formal, o filme de Jia alcança status de poderoso manifesto político, em que o macro (a paisagem passa por mutações impostas por um governo)
e o micro (o impacto dessas
transformações na ordem dos
indivíduos) estão elevados à
mesma potência.
EM BUSCA DA VIDA
Produção: China/Hong Kong/Japão, 2006
Direção: Jia Zhang-ke
Com:Han Sanming, Zhao Tao e Li
Zhubin
Onde: em cartaz no Reserva Cultural,
Cine Bombril e HSBC Belas Artes
Avaliação: ótimo
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