São Paulo, sábado, 20 de agosto de 2005

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COMENTÁRIO

Documentários conquistam frustrados pela ficção

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

Já está virando rotina: na 33ª edição do Festival de Gramado os documentários estão dando um banho nos longas de ficção, que em tese compõem a "faixa nobre" do evento.
Assim sendo, não há francos favoritos para a premiação de hoje à noite. Numa categoria, a documental, o "problema" é a fartura de bons concorrentes. Na outra, a ficção, as aspas podem cair: impera a escassez.
Ontem à noite seriam exibidos os últimos competidores: o documentário "Em Trânsito", de Hen- ri Gervaiseau, e a ficção histórica "Diário de um Novo Mundo", de Paulo Nascimento.
Até a noite de quinta-feira, todos os documentários concorrentes -"Soy Cuba, o Mamute Siberiano", "Do Luto à Luta" e "Doutores da Alegria"- haviam agradado a crítica e comovido o público, algo que não ocorreu com nenhum dos longas de ficção.
Estes últimos são, cada um à sua maneira, bons projetos em sua origem, mas que aparentemente se descaminharam ao longo de sua realização.
"Cafundó", o longa de estréia de Paulo Betti e Clóvis Bueno, é uma bela tentativa de resgate da figura histórica do ex-escravo João Camargo, o "Preto Velho" que se tornou uma espécie de santo popular no interior paulista ao fundir rituais cristãos e africanos em sua liturgia. Mas, além da reverência devota do tratamento, a direção de arte parece às vezes se sobrepor à história, formando um mosaico de cenas -algumas eficazes, outras só "bonitas"- que não se concatenam numa narrativa orgânica e envolvente.
"Gaijin - Ama-me como Sou", de Tizuka Yamasaki, retoma o épico da imigração japonesa que ela realizara com tanto brio no primeiro "Gaijin" (1980).
Só que aqui, apesar do início promissor e do acréscimo do tema da volta de descendentes ao Japão, o conjunto sucumbe a uma construção melodramática e televisiva, cuja artificialidade é acentuada pela dublagem dos atores centrais.
Com uma proposta de cinema diametralmente oposta -filmagem em digital, produção ágil, poucos atores, baixíssimo orçamento-, "Carreiras", de Domingos Oliveira, também tem seus momentos fortes, mas carece de soluções de roteiro e "mise-en-scène" que evitassem certo primarismo dos diálogos.
Entre os dois extremos, "Sal de Prata", de Carlos Gerbase, ao contar a história de um cineasta que morre prematuramente, deixando roteiros não filmados, oscila entre a ironia metalingüística e o drama existencial, sem encontrar um tom convincente.
Quem sabe no ano que vem a ficção dá a volta por cima.


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