São Paulo, sábado, 20 de agosto de 2005

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LIVROS

ENSAIO

Obra analisa questões que não parecem fazer parte da economia, mas são

"Freakonomics" vê "patologias" na economia da vida cotidiana

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na minha primeira aula de economia, no primeiro semestre da faculdade, o professor entrou e explicou os objetivos do curso: "O objetivo de vocês é tirar uma nota "A". O meu é fazer vocês pensarem como economistas". Não entendi. Na minha cabeça, moldada por anos do ensino ouça-decore-regurgite o que ouviu na prova, aulas e matérias eram destinadas a transmitir uma certa quantidade de conhecimentos. "Freakonomics" é um belo livro porque, ao contrário do que se poderia esperar de um economista de renome de uma universidade famosa (seu autor, Steven Levitt, leciona na Universidade de Chicago), não é um tomo cheio de gráficos e fórmulas ou pencas de dados sobre um tema. Lê-lo não tornará o leitor um expert em política monetária, fiscal ou algum aspecto microeconômico até então obscuro. O livro é simplesmente uma demonstração explícita de um pensador de profunda e abrangente curiosidade vendo o mundo com os olhos de um economista. As questões abordadas, aliás, nem fazem parte do que convencionamos chamar de economia, essa das manchetes de jornais e das preocupações de empresários e homens públicos. Levitt explora, por exemplo, por que há diferenças nos modos como corretores imobiliários vendem suas casas e as de seus clientes, se os negros americanos são prejudicados no mercado de trabalho por terem nomes "étnicos". Busca entender por que a maioria dos traficantes de drogas, supostos milionários, moram com os pais; decifrar se e como os grandes lutadores de sumô entram em con- luio para arranjar suas lutas e por que os pais de uma creche israelense passaram a se atrasar ainda mais para buscar seus filhos depois que a creche deles instituiu uma multa para atrasos. Essas questões podem não parecer econômicas, mas são. Primeiro, porque para chegar a respostas Levitt se usa de sólidas e sofisticadas ferramentas de econometria, dando um suporte empírico ao que, em sua ausência, seria mero achismo. Mas são econômicas porque, fundamentalmente, a "cosmovisão" da economia é de que agentes econômicos (pessoas, empresas, governos) respondem a incentivos. Assim é que a economia pensa o mundo e é por isso que, quando conduzida por um pensador inquieto que dispensa o jargão e os gráficos complicados, ela pode ser aplicada a todo tipo de comportamento, das taxas de juro ao sumô. Levitt não quer que o autor saiba tudo de um tópico: quer que ele pense como um economista. É um bom livro, portanto, para os que gostam da "dismal science", mas ainda mais para os que detestam economia. Desde que o leitor não seja daqueles que acham que nenhum dado pode contradizer uma bela teoria ou que acreditam ser "reducionista" explicar o comportamento humano baseado em fatores materiais sem levar em conta, digamos, a antropologia (curioso que o oposto não lhes ocorre...), "Freakonomics" pode abrir algumas portas da percepção. E mostrar que, além de errar grosseiramente taxas de juro e condenar países a 20 anos de estagnação, economistas e sua ciência têm lá a sua utilidade em uma infinidade de outras áreas.


Gustavo Ioschpe é mestre em economia internacional pela Universidade Yale (EUA) e autor de "A Ignorância Custa um Mundo" (Francis)

Freakonomics - O Lado Oculto e Inesperado de Tudo que Nos Afeta

   
Autores: Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner
Tradução: Regina Lyra
Editora: Campus/Elsevier
Quanto: R$ 45 (276 págs.)


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