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GUILHERME WISNIK
Mundo showroom
Falar em fetichização da vida privada é muito pouco. O que há é uma exacerbação in extremis da idéia de posse
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HOUVE UM tempo em que as
novidades da vida doméstica vinham associadas a nomes franceses: desde os utensílios
de casa, como os abat-jours, até os
novos ambientes, como as suítes,
além de empregados da família, como os chauffers. Nas últimas décadas, como sabemos, esse imaginário
foi soterrado pelo mundo do closet,
do lobby, do living, do valet, do flat,
do loft, do delivery, do fitness, do
lounge, do home theater etc. Na verdade, a invasão da língua inglesa veio
acompanhada de uma profusão de
coisas e serviços. No caso, não exatamente de objetos de consumo (que
você possa comprar em uma loja),
mas de ambientes (no caso da arquitetura) e atividades que vieram
preenchendo a vida diária com novas necessidades, saturando-a.
Essa saturação, por sua vez, é segmentadora. Isso é evidente no campo dos empreendimentos imobiliários comerciais, dominados cada vez
mais pela febre do exclusivo, do personalizado e do privativo. Por exemplo, uma das atuais ofertas dos novos conjuntos de apartamentos é o
"dog walk": percurso exclusivo para
passeios com cachorros nos jardins
internos. Outro "conceito" que prolifera no mercado é, curiosamente,
um híbrido inglês-francês: o "home
boutique". Trata-se de um residencial de alto padrão, mas com apartamentos pequenos, e que oferece serviços como adegas climatizadas com
sommeliers próprios e personal
trainers.
Mas a mais recente manifestação
desse estado de coisas é um lançamento que tem aparecido maciçamente nas páginas de propaganda
deste jornal: o Central Park Prime,
no bairro do Tatuapé. O seu "conceito" é o mesmo de inúmeros outros
conjuntos que proliferam na cidade:
viver dentro de um parque. O Prime,
no entanto, vai além e promete ser
"o primeiro apartamento com árvore privativa de São Paulo: uma árvore no parque com o nome de cada família". E estampa, junto ao slogan,
um brasão dourado (como se fosse
um selo de qualidade, mas deve ser o
timbre de cada família) com um nome fantasia: Almeida.
Porém, a campanha não termina
aí. Além da árvore privativa, também somos apresentados ao conceito de "hobby box": uma garagem exclusiva para cada apartamento, "que
você pode decorar e equipar para receber seus veículos e objetos mais
preciosos". Frase que, novamente,
vem acompanhada, na página dupla
do jornal, da "perspectiva artística"
de um ambiente com iluminação indireta e tons beges (como numa sala
de estar), em que carro, moto e bicicleta contracenam com prateleiras
de livros e uma caixa de ferramentas
dispostas de forma casual.
O que está pressuposto nessas
promessas? Falar em fetichização
da vida privada é muito pouco. O que
há, sem dúvida, é uma exacerbação
in extremis da idéia de posse. E se,
de um lado, o bem coletivo da natureza foi seqüestrado na forma individualizada de uma árvore, como se
fosse um animal de estimação, de
outro, o automóvel foi naturalizado
e transformado em um membro da
família, devendo ter um cômodo especialmente preparado para recebê-lo, como a um bebê que chega da maternidade.
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