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Libelu era trotskismo com rock e fuminho
MATINAS SUZUKI JR.
do Conselho Editorial
Para a história, a geração dos
anos 70 ficará à sombra da geração
dos 60.
Mas quem viveu os primeiros
passos da luta pela chamada aber
tura sabe que houve uma rica ex
periência no interior do renasci
mento do movimento estudantil,
em São Paulo, a partir de 74.
Estudante da Faculdade de Filo
sofia da USP e da ECA, participei
do braço cultural da Liberdade e
Luta, conhecida com o delicioso
nome de Libelu -um curioso e
original amálgama político-com
portamental, em que o trotskismo
convivia com o rock, com o fumi
nho e com as meninas do
pós-queima-dos-sutiãs.
Parte da Libelu -porque ela
também tinha a sua vertente mo
ralista- não só divergia politica
mente dos stalinistas ou dos
maoístas, ou ainda da nascente so
cial-democracia, que seriam os tu
canos do movimento estudantil,
mas também divergia radicalmen
te da maneira de viver da esquerda
tradicional.
Três pessoas, mais velhas do que
nós, foram importantes para a mi
nha geração:
* Júlio César Montenegro, um
cearense que fez o ITA, último edi
tor de cultura do semanário "Opi
nião", do Fernando Gasparian.
Polemista em tempo integral, pro
vocador, questionador dos mitos
sagrados da esquerda, nos levou à
experiência do jornal "O Beijo".
Em um encontro da imprensa al
ternativa, dos quais éramos sem
pre excluídos, um orador repetia
insistentemente "todos nós que
lutamos pelas liberdades demo
cráticas, todos nós que lutamos
pelas liberdades democráticas, to
dos nós que lutamos pelas liberda
des democráticas...".
Montenegro pediu um aparte e
falou: "Companheiro, você pode
ria fazer o favor de, em vez dizer
todos nós que lutamos pelas liber
dades democráticas, dizer todos
nós, menos o Júlio César Monte
negro, que lutamos pelas liberda
des democráticas?".
Ele quase foi linchado pela es
querda presente.
* Fernandinho Mesquita, de lon
ge a pessoa mais brilhante, a que
melhor escrevia e a que tinha as
idéias mais interessantes.
Foi terrorista, preso, torturado,
como poderia ter sido ladrão, tra
ficante etc.
Para ele, a esquerda já havia aca
bado, estava com um pé no anar
quismo, andava em um Fusca cujo
acelerador era um barbante que
ele puxava com a mão e tinha uma
exigência com o absoluto que a vi
da não poderia lhe prover.
A junção da vocação suicida para
fazer qualquer coisa com a força de
uma lógica própria, livre e sofisti
cada fizeram dele o nosso guru er
rante.
Foi o promotor e o teórico da
grafitagem pela cidade, escreveu
os melhores textos de "Cine
Olho" e "Beijo" e, onde os jorna
listas em greve pichavam "não
compre jornais", ele pichava em
baixo: "Minta você mesmo".
* Gilberto Vasconcellos, à época
um lucaksiano-freudiano forma
do pela teoria da dependência e
pelas idéias "fora do lugar" de
Roberto Schwarz, um jovem inte
lectual antiacadêmico cativante,
carismático, capaz de atrair para o
seu círculo muitas das boas cabe
ças do período.
O que nós fazíamos? Frequentá
vamos o Riviera, o Ponto 4 (depois
o Bar da Terra, o primeiro posto
avançado na Vila Madalena), ía
mos ao cineclube da GV (onde
uma dupla de Barretos, o Zaga de
Lucca e o Hugo "Terceira Via"
Mader nos apresentou todo o Go
dard e todo o Julinho Bressane),
rolava muito Stones nas festas
sempre com cerveja, líamos Ador
no, Walter Benjamin, Barthes,
Foucault, Bataille, Cortázar, Ban
deira e Murilo Mendes -alguns,
como o Rodrigo Naves, o melhor
orador da Libelu, liam Sartre-,
passávamos Carnaval na Bahia,
show de Gil e Caetano eram obri
gatórios, assistir às aulas do Davi
Arrigucci Jr. também, nosso cora
ção batia pelos surrealistas, nossa
mestra era Marilena Chauí, anulá
vamos os nossos votos, éramos lei
tores de Paulo Francis, nosso pa
drão de jornalismo era o "Le
Monde" e tomamos um porre
quando, finalmente, o Corin
thians foi campeão.
À nossa maneira, nós tivemos o
nosso "C'Eravamo Tanto Amati"
-que, aliás, é de 1975.
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