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POESIA
Utilidades dos poemas
surgem de duas formas
RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha
Qualquer livro de
poemas responde à
pergunta: para que
serve a poesia? Esta
questão tem, ao
menos, dois parâmetros para que
possa ser respondida. O da necessidade e o da possibilidade. Para Donizete Galvão, nascido
em 1955, em "Ruminações", seu
quinto volume, a necessidade de
poesia se impõe como reelaboração da memória do que ele viveu,
no campo e na "cidadezinha qualquer", na infância: "Ama o inominado/ o perecível/ o particular/ a
coleção de cacos de louça/ os arreios e os antolhos das mulas/ a
caixa de ferramentas do avô/ o cavalo baio com o olho cego/ a luz
do sol sobre as encostas/ a dureza
das macaúbas...".
Galvão, embora possa parecer,
não é nostálgico. Tem ele a consciência que o "inominado" está,
como a própria palavra, "minado", e que a recuperação da memória é máscara para criticar o
que se vive agora. Os melhores
momentos de "Ruminações" são
aqueles nos quais o autor se afasta
mais nitidamente de um tom modernista brasileiro para explorar
outras possibilidades. Destacaria
nesse sentido "O Grito": "O porco
guincha/ e sob a pata dianteira/
sai a golfada de sangue/ que enche
a bacia./ Horas depois,/ pronto o
chouriço,/ comemos o sangue
preto, as tripas, o grito".
O poema desaliena o hábito de
"comer", reatando-o a um ato
brutal: o de matar. Há encontro
de linguagem quando "chouriço"
penetra, de modo econômico, em
"grito", ecoando "guincho" para
representar lágrimas (choro) e assassinato. Galvão procura identificar a poesia com um deslocamento: o passado ou aquilo que se
perdeu: "...passei a tarde inteira/
acenando para o trem/ Ao meu
aceno de adeus,/ não respondia
ninguém".
Há coerência entre essa espécie
de releitura que faz de Carlos
Drummond de Andrade, seu universo particular, de valores humanistas, e a recuperação de um
certo léxico.
Já Antonio Moura, nascido em
1963, firma-se com "Hong Kong
& Outros Poemas", seu segundo
livro, como uma das maiores revelações dos anos 90. Moura encarna em si descentramentos: paraense (distante, portanto, do eixo Rio/São Paulo), negro e abertamente cosmopolita afirma a poesia como necessidade de afrontamento das possibilidades.
A crítica à sociedade é disparada com a linguagem, que se anota
na página como expressionismo
primitivo de poderosa intuição e
contemporaneidade: "Paira/ sobre as cabeças/ uma alta quantia
de estrelas/ Na terra/ olhos vendados/ onde se lê grafitado: à venda..." - para concluir, nessa peça
que dá título ao livro, que, à noite,
"o sol é ouro especulado".
A idéia de espectro, de espelho,
como se dia e noite do ponto de
vista do capitalismo mundial fossem a mesma coisa. Sem passado
ou presente possível o poeta indaga: "...um céu/ macio, sexo/ Um
sol, duro osso/ Um mundo/ sem
nexo/ exigindo corpo".
É o testemunho da virtualidade,
não só da vida atual e real, mas
igualmente da poesia como rito,
ritmo e capacidade de predizer,a
um incerto futuro: "...a eternidade/ há de/ desatar os pêndulos/
dissolvendo-os/ nas águas".
Avaliação:
Livro: Ruminações
Autor: Donizete Galvão
Editora: Nanquim Editorial
Quanto: R$ 15 (80 págs.)
Livro: Hong Kong & Outros Poemas
Autor: Antonio Moura
Editora: Ateliê Editorial
Quanto: R$ 12 (96 págs)
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