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Tapa reencontra Jorge Andrade
Grupo de Eduardo Tolentino monta terceira peça do dramaturgo, reflexão sobre o poder paulista
Trajetória de fazendeiro e sua família que perdeu
terras por causa da crise econômica de 1929 ajuda a
entender Brasil de hoje
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Os que plantaram... Vão começar a colher!". São as palavras finais de "A Moratória",
murmuradas pela mulher do
fazendeiro que perde as terras
herdadas do pai e do avô.
A peça de Jorge Andrade
(1922-84) toca em raízes históricas da formação do Brasil entre as décadas de 20 e 30. Retrata a passagem do espaço rural
para o urbano, profetiza as concentrações política e econômica do Estado paulista e constata
os sentimentos de felicidade e
família ditados pela noção de
propriedade. O ontem roça o
hoje o tempo todo, como se verá no espetáculo do grupo Tapa
que entra em cartaz amanhã no
Sesc Anchieta, em São Paulo.
Os chamados "barões do café" foram sacudidos pela crise
de 1929 provocada pela quebra
da Bolsa de Nova York. Afundaram em dívidas. Seguiram-se a
Revolução de 30 e a Revolução
Constitucionalista de 32, fechando a era da monocultura e
abrindo o ciclo industrial.
Escrita em 1954, "A Moratória" desenvolve-se em dois planos, passado (1929) e presente
(1932), a vida na fazenda e a casa na cidade. Muitas vezes em
cenas simultâneas, a dramaturgia desenha em fragmentos a
trajetória do patriarca Joaquim, o Quin, e de sua família.
A decadência abala profundamente os valores aristocratas do fazendeiro interpretado
por Zécarlos Machado. Ele tenta manter as rédeas, mas a realidade o coloca em xeque, a começar pelos filhos. Marcelo
(Augusto Zacchi) vira operário
e Lucília (Larissa Prado) concentra energias no pedal da máquina de costura com a qual
sustenta a casa enquanto pai e
mãe (Lu Carion) esperam, em
vão, ganhar o processo de recuperação judicial das terras e ter
as dívidas suspensas.
"É uma peça espremida entre
1929 e 1932, que talvez tenha sido o momento mais difícil dessa cultura, desse Estado que
precisou de uma industrialização, de duas ditaduras, uma civil e uma militar, da transferência da capital federal para, enfim, exercer a hegemonia sobre
o Brasil", diz o diretor Eduardo
Tolentino, 43.
Ele mexeu bastante no texto,
o que raramente o Tapa faz; sua
premissa é de respeito incondicional ao autor. Mas, aqui, houve cortes equivalentes a meia
hora de texto, cenas foram remanejadas, sem prejuízo da sofisticada linguagem de Andrade, como a Folha conferiu na
apresentação de domingo passado, no Sesc Santo André.
Retorno
Do mesmo autor de "Vereda
da Salvação" (que Antunes Filho montou duas vezes, a última no mesmo Anchieta, em
1992) e "Ossos do Barão"
(adaptada para novela no SBT,
em 1997), "A Moratória" é obra
que somente foi produzida em
1955, dirigida por Gianni Ratto,
e em 1976, por Emílio Di Biasi.
É "quase um texto inédito", no
dizer de Tolentino, muito estudado e pouco visto.
"As grandes matrizes do teatro brasileiro tinham que, a cada década, ganhar uma revisão,
uma releitura por outros diretores. Os americanos não passam uma década sem assistir a
"A Morte do Caixeiro-Viajante"
[de Arthur Miller], "Um Bonde
Chamado Desejo" [Tennessee
Williams] e "Longa Jornada
Noite Adentro" [Eugene
O'Neill]. São textos fundamentais para os EUA, porque é aí
que se forma uma identidade".
Daí seu entusiasmo quanto à
visita que Os Satyros fazem
neste ano ao mítico "Vestido de
Noiva", de Nelson Rodrigues,
que o próprio Tolentino dirigiu
na década passada. Por falar em
matrizes, o grupo Tapa, que
completa 30 anos em 2009 e
tem grandes dramaturgos estrangeiros em seu repertório,
soma três Jorge Andrade (as
outras são "Rastro Atrás" e "O
Telescópio"), três Nelson Rodrigues, dois Oduvaldo Vianna
Filho e dois Plínio Marcos,
sempre textos pouco ou nunca
encenados.
A MORATÓRIA
Quando: estréia amanhã; sex. e sáb., às
21h; dom., às 19h; até 16/3
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova,
245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
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