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Modernismo para as massas
Minissérie conduz público à história privada de personagens de 1922
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Dia desses, Rudá de Andrade estava deixando o carro na oficina,
na cidadezinha paulista de Pedra
Bela, quando o jovem mecânico
pediu para anotar seu nome.
"Rudá de Andrade? Você é parente do Oswald de Andrade?",
disse em tom de galhofa o rapaz.
"É, sou filho dele com a Pagu",
respondeu. "Ele quase caiu pra
trás", conta Rudá.
O filho do casal modernista
também vive a cena com espanto
de "cair de costas". Aos 73 anos, o
pesquisador de cinema diz nunca
ter ouvido tanta gente nas ruas falando sobre seus pais. E não tem
dúvidas sobre como Oswald foi
parar na boca do mecânico do
município de 6.000 habitantes,
onde "não há nem banca de jornal": é o "efeito "Um Só Coração'".
Não é só o jovem de Pedra Bela.
A minissérie da Globo, de Maria
Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, vem levando Tarsila, Mário de Andrade, Oswald e toda a
trupe modernista quatro noites
por semana para a casa de cerca
de 1 milhão de pessoas.
Rudá mesmo, o mecânico talvez
não tenha se dado conta, está lá.
Ele faz parte do seleto time dos
personagens dessa novela que podem assistir a si mesmos.
Eles começaram a aparecer só
agora. "Um Só Coração" estreou
em janeiro, ambientada na São
Paulo do emblemático ano de
1922, e as tramas atravessam nesta
semana o fim dos anos 30.
Se Rudá aparece garoto, calças
curtas e balão vermelho na mão,
no circo de Piolim, outra dessas
raras personagens que vive dentro e fora dessas telas chega à série
nos seus "20 e poucos anos".
Adelaide Guerrini de Andrade,
hoje com jovens 85 anos, deve assistir nesta terça à sua estréia nos
televisores, vivida pela atriz Júlia
Almeida. "Um Só Coração" vai
mostrar o começo da paixão dela
com Oswald de Andrade Filho, o
Nonê (1914-1972), primogênito
do escritor de "Pau Brasil".
Pichuca, como era chamada por
Nonê, com quem se casou em
1940, vem assistindo à minissérie
com um olhar exclusivo. "Conheci todos, todos, todos, todos."
Ela não economiza "todos" para
dar idéia dos personagens de
"Um Só Coração" que encontrou
na vida real: Mário, Tarsila, Pagu,
Menotti del Picchia, Luis Martins,
Anita Malfatti e longa lista afora.
Só não topou com o Coronel
Totonho, Maria Luisa, Samir e
outras dezenas de personagens
fictícios que completam o elenco.
"A minissérie não tem obrigação com a exatidão histórica ou
biográfica", expressa Maria Adelaide Amaral. "Para isso existe
uma ampla bibliografia e especialistas muito mais capacitados do
que Alcides e eu. A minissérie é
sobre a mitologia de uma certa
época de São Paulo e seus personagens que fizeram parte dela, ganharam dimensão mítica e, como
tal, são tratados, com a liberdade
que têm as mitologias."
Dona Adelaide, que conviveu
com os "mitos", não é tão rígida
quanto a autora da série. "A novela está mexendo muito comigo. Já
estava sossegada, agora aparece
tudo aquilo outra vez. Fico triste
de saudades", diz a viúva de Nonê, com os olhos claros ofegantes,
como na pintura que o marido fez
dela, pregada sobre a cama.
Não é só a minissérie que tem tirado o sossego dela. Acaba de ser
lançado "Dia Seguinte & Outros
Dias" (editora Códex), livro que
Nonê escreveu entre 1965 e 1972 e
que só chega a público agora.
Nele, o artista plástico, presente
em "Um Só Coração", narra com
estilo próximo ao do pai (e com
ilustrações que revelam a influência da "madrasta" Tarsila) fatias
importantes de suas memórias,
"biscoitos finos" que incluem
Adelaide, Oswald, Rudá e outros
personagens da história, da minissérie e agora da lembrança do
jovem mecânico de Pedra Bela e
de milhares de espectadores.
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