São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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"Lições" de Nonê surgem em estréia póstuma

DA REPORTAGEM LOCAL

No seu célebre poema "3 de Maio", do livro "Pau Brasil", Oswald de Andrade crava: "Aprendi com meu filho de dez anos/ que a poesia é a descoberta/ das coisas que eu nunca vi". Mais de 30 anos após sua morte, o "filho" agora divide esses ensinamentos pela primeira vez com todos os demais.
As lições estão impressas em "Dia Seguinte & Outros Dias", que Oswald de Andrade Filho, o Nonê, escreveu entre 1965 e 1972, ano de sua morte, e que está sendo publicado pela primeira vez.
O volume começou a ser traçado em alto-mar, em cabine de segunda classe do navio Augustus, rumo ao Velho Continente. O já veterano pintor levava um grupo de alunas de arte para uma viagem de formatura.
Nonê, que estudara com Lasar Segall, Anita Malfatti e Portinari, que convivera de perto com todos os grandes nomes do modernismo brasileiro (e que conhecera figurões à Picasso), começava na modesta embarcação sua viagem por esse graúdo passado.
Mas não eram eles o porto de chegada. Nonê, opina Maria Eugenia Boaventura, estava era "acertando as contas" com o pai, que havia morrido em 1954.
"Ele teve a vida atrapalhada pela constante presença do pai, pelo quase assédio do pai", opina a estudiosa... do pai, Oswald.
Adelaide, viúva de Nonê, reforça o depoimento. "Oswald não dava sossego para o Nonê. Dois minutos chamava Nonê, dois minutos chamava Nonê", diz ela.
Mas ao contrário do que pode parecer, "o filho" não escreve com amargor sobre a relação com o pai, por quem foi criado (com a mãe, a francesa Henriette Denise Boufleurs, conviveu pouco).
Nas pilhas e pilhas de textos de Nonê, que um dos seus quatro filhos, Timo de Andrade, veio a encontrar no início dos anos 80, percebeu que o pai "não forçava a barra nos conflitos".
Foi Timo quem decidiu levar adiante os manuscritos do pai, com ajuda, a partir de 1985, de Boaventura. A dupla chegou a preparar tudo em 1992, incluindo um texto (presente na atual edição) do conceituado crítico e poeta José Paulo Paes (que viria a morrer em 1998), mas na última hora não acharam editora.
Maria Adelaide Amaral, autora de "Um Só Coração", deu o "empurrão final", diz Timo.
"Tomei conhecimento da obra do Nonê quando estava escrevendo [a peça] "Tarsila" e fiquei fortemente impressionada com a forma poética que deu a seu drama", lembra ela. Amaral levou o trabalho organizado por Timo e Maria Eugenia para a editora Códex e só então as anotações (e ilustrações) de Nonê foram às rotativas.
"Meu marido foi um sonhador. Este foi seu último sonho", diz dona Adelaide. (CEM)


DIA SEGUINTE & OUTROS DIAS. Autor: Oswald de Andrade Filho. Organização: Timo de Andrade e Maria Eugenia Boaventura. Editora: Códex (tel. 0/xx/11/ 3061-3563). Quanto: R$ 30 (312 págs.)


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