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TELEVISÃO
Emissora age na frente e por trás das câmeras para colar à sua marca imagem de "cidadã" e "defensora da cultura"
Globo faz operação para ter fama "do bem"
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Há muito mais do que uma simples campanha institucional por
trás dos comerciais de autopromoção que a TV Globo mantém
nos intervalos da programação.
A série de depoimentos elogiosos -gravados por políticos e
personalidades culturais- faz
parte de estratégia ampla e organizada de colar ao canal uma imagem de socialmente responsável e
defensor da cultura nacional.
Enquanto age nos bastidores do
Congresso contra projetos de
obrigar as TVs a transmitir cotas
de programação regional e independente e a patrocinar a indústria cinematográfica, a Globo reforça no ar o slogan "Acreditar no
Brasil é a nossa vocação".
Paralelamente à operação com
o telespectador, busca se aproximar de líderes da classe artística e
convencê-los do quanto é "produtora de conteúdo nacional".
Em duas ocasiões recentes, no
mês passado, "martelou" essa
idéia. A primeira foi um almoço
realizado no Projac (central de estúdios do Rio), em que Marluce
Dias da Silva, diretora-geral, falou
a cineastas sobre "os investimentos da emissora em cinema" e não
se cansou de repetir a expressão
"conteúdo nacional". A segunda
foi em São Paulo, quando a Globo
ajudou a organizar um seminário
justamente com esse tema, batizado de "Conteúdo Brasil", na PUC.
As iniciativas propaladas são
antigas -como "Criança Esperança", "Amigos da Escola" e
merchandising social de novelas-, mas nunca haviam sido divulgadas dessa maneira tão contundente pela própria emissora.
Desde sua entrada na Globo, em
1997, Marluce Dias da Silva orienta os autores a incluir merchandising social (campanhas de saúde,
antiviolência etc.) nas histórias.
A ação agora está mais profissionalizada do que nunca. No final do ano passado, foi distribuído aos criadores de telenovelas
um documento batizado de "Política para o Merchandising Social
- Sistematização de Projeto".
O texto, ao qual a Folha teve
acesso, é um verdadeiro manual
de procedimentos e orienta os autores a "priorizar ações promovidas pela própria Globo". Tem forma esquemática, vários itens e é
dividido em três partes principais:
1) Definição, Premissas e Objetivos; 2) Processo e 3) Sinergias e
Resultados. Sua alma fica clara logo na primeira página: "Merchandising Social (MS) é a inserção planejada -sistemática e
com propósitos definidos- de
mensagens sociais e educativas
nas tramas e enredos das produções de teledramaturgia".
Na página seguinte, a Globo se
autoproclama "a única fonte de
informação e entretenimento para milhões", o que justificaria sua
"responsabilidade na difusão de
conhecimentos". O documento
diz ainda que não há veiculação
do MS a interesses econômicos,
"exceto benefício da imagem".
Mocinho
A um custo de R$ 200 mil, foram
produzidos 12 anúncios protagonizados, entre outros, pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), pelo senador Paulo
Paim (PT-RS), pela secretária estadual da Cultura de São Paulo,
Cláudia Costin, e por Zilda Arns,
coordenadora nacional da Pastoral da Criança -nenhum deles
recebeu cachê. Lançadas em novembro, as propagandas ficarão
no ar até o fim deste mês.
Os filmes têm ar intimista.
Quando a tela se divide em dois
blocos, um lado mostra uma cena
da Globo, e o outro, o rosto da
personalidade, em close, dizendo
frases como "A Globo tem a cara
do Brasil" e "As novelas da Globo
têm dado uma grande contribuição para a recuperação da cidadania".
Os comerciais se encerram com
a voz de Tony Ramos repetindo o
slogan "Acreditar no Brasil é a
nossa vocação". O ator é um dos
principais garotos-propaganda
de ações voluntárias da Globo.
Mantém boa imagem pública, é
casado com a mesma mulher há
mais de 30 anos, discreto e intérprete de vários mocinhos (até seu
vilão de "Torre de Babel" era mais
"do bem" do que "do mal").
Para a produção, a Globo contratou a Gorila Filmes, de Suzana
Villas Boas, produtora-executiva
do programa "Saia Justa" (GNT).
A equipe -sediada em São
Paulo- teve de viajar em alguns
casos, como a Brasília, para gravar com o presidente da Câmara,
e a Curitiba, com Zilda Arns.
Toda a empreitada está submetida à Central Globo de Comunicação. O departamento cuida da
imagem da casa e coordena as iniciativas sociais. Tem de dar crivo a
outro alicerce dessa "plástica" de
marca: os merchandising sociais
das novelas. O que pode até começar como mera boa intenção
de autor acaba inserido num organizado esquema institucional.
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