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Memórias do subterrâneo
Exposição "Underground" mapeia a contracultura dos anos 70 e 80 -e de hoje
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Como a contracultura e o desbunde dos anos 70 originaram a
geração yuppie dos 80? Cultura
subterrânea ainda faz sentido, no
meio dos anos 2000?
Perguntas como essas serão suscitadas pela mostra "Underground -?Passado/Presente?",
mas não serão respondidas numa
visita à mostra de música, teatro e
história em quadrinhos que o
Sesc Consolação manterá em cartaz de amanhã a 4 de abril.
Coordenado pela historiadora
Andréa Nogueira e a comunicadora Cecília Manam Pasteur, o
evento reuniu um extenso rol de
exemplares da cultura dita subterrânea, underground, alternativa, independente, maldita etc.
"É um movimento que surgiu
no pós-guerra, de contestação e
produção alternativa, fora do
mercado corrente", teoriza Andréa Nogueira, 37. "É uma questão muito presente na mídia de
hoje: tudo é incorporado pelo
mercado? Achamos que sim."
O roteiro se fixa nas décadas de
70 e 80, mas espirra também na
produção atual, sobretudo na
mostra de teatro e performance
(veja programação completa em
www.sescsp.com.br). Mas não
parece haver um fio condutor que
emende nexos no elenco reunido.
"Não é linear nem didático, mas
apresenta as referências", sintetiza Nogueira, que diz ter buscado
apoio de teóricos para a formulação da mostra. Cita entre eles Antônio Bivar, Aguilar, Kid Vinil e
Clemente (do grupo punk Inocentes), que participarão da programação de debates e palestras.
Talvez por limitação de orçamento (o Sesc não divulga os custos), o evento se foca quase só na
cena paulistana. É o que confina,
por exemplo, o rico lote cultural
difundido nos 70 a partir do Rio
de Janeiro -o chamado "desbunde". Representante dessa vertente no evento é o carioca Jorge
Mautner, 63, amigo e parceiro de
Gilberto Gil, ex-desbundado e hoje ministro da Cultura.
Mautner opina sobre a permanência do conceito: "Hoje a contracultura é a cultura. As minorias
são endossadas, os homossexuais
são aceitos. Tudo é assimilado, a
contracultura passa a ser cultura".
Ele reflete sobre como os desbundados dos 70 teriam cedido
vez aos yuppies dos 80. "O desbunde era de esquerda, anarquista, anticonsumista. Ter dinheiro
era um pecado para eles, mas a geração yuppie apareceu pró-consumista, pró-capitalista."
Diz que os 80 foram o momento
de encontro do underground
com o sistema. "Hoje ele é reconhecido como tal, é aceito. Tudo
está à venda: moda, tatuagem, sadomasoquismo, fetiche."
Kid Vinil, egresso do punk e intérprete do sucesso "Sou Boy"
(83), descreve sob seu ângulo a
transição de que fala Mautner:
"A cena punk inicial foi nosso
verdadeiro underground, pois tudo era artesanal, feito com mínimos recursos. Depois a mídia acabou criando as bandas mais comerciais que chegaram ao sucesso, em que até eu me incluo".
Udigrudi
No universo dos quadrinhos e
fanzines, a mostra também acompanha essa trajetória. Começa em
71, sob influência do "flower power", com a revista "Grilo", que
apresentou a olhos brasileiros o
conteúdo subversivo da revisa
americana "Zap Comix", berço de
Robert Crumb, Gilbert Shelton e
Spain Rodriguez.
"Crumb serviu de base para o
quadrinho alternativo brasileiro.
Até então os gibis não tinham essa
cara aqui. Existia um código de
ética que impedia que se falasse de
sexo, drogas e rock'n'roll", afirma
Gualberto Costa, 49, responsável
pela parte de HQs da mostra.
No vácuo da "Grilo" veio uma
onda de revistas universitárias,
feitas artesanalmente e distribuídas nas festas da época: "Balão"
(FAU), "Quadreca" (ECA), "Bicho" (Faap) etc. "Participar dessas revistas era como fazer parte
de um movimento", lembra Costa, um dos fundadores da "Capa".
Assim como na música, os anos
80 trouxeram a profissionalização
do "udigrudi" nas HQs. Filhotes
do experimentalismo da década
anterior, revistas como "Chiclete
com Banana" e "Circo" ganharam espaço considerável nas bancas do país e fizeram dos subversivos Rê Bordosa, Bob Cuspe e cia.
os novos queridinhos de punks a
yuppies da "década perdida".
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