São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


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CINEMA "GAROTAS DE FUTURO"

Leigh se submete aos personagens

CECÍLIA SAYAD
especial para a Folha

Toda narrativa possui elementos básicos em torno da qual é conduzida: uma trama e os personagens nela envolvidos.
Eles estão de tal forma relacionados no desenvolvimento de uma história que parecem indistinguíveis.
Em algumas obras, porém, um desses elementos sobrepõe-se ao outro.
Há filmes em que os personagens existem para servir a uma trama. Em outros, é a trama que serve aos personagens.
Mike Leigh é um diretor que parece preferir a segunda categoria.
"Segredos e Mentiras" e este "Garotas de Futuro", que estréia hoje no Cinesesc, são histórias tão centradas nas personalidades que as habitam que se poderia dizer que o roteiro se submete às suas características físicas e psicológicas.
Leigh não chega ao extremo de John Cassavetes, cujos filmes, muitas vezes centrados não só nos personagens, mas nos atores, tinham sua narrativa de tal forma submetida a eles que a duração das cenas era determinada mais pelo tempo da atuação do que pelo da narrativa tradicional.
Mas é como se o diretor britânico, antes de elaborar a sinopse, trabalhasse no desenvolvimento das personalidades que conduzirão a trama, cabendo então a elas ditar os rumos que a história deve tomar.
O filme "Garotas de Futuro" narra o reencontro de duas amigas adultas que partilharam as dificuldades e inseguranças da juventude.
O sentimento que primeiro aflora é de surpresa frente às comodidades da vida estável que ambas atingem, e que contrasta com o caos e decadência do momento em que se conheceram.
Alternando o desconforto inicial do reencontro com cenas do passado que revelam o início de uma relação marcada pela solidariedade e pela agressividade, o diretor Mike Leigh traça o perfil de mulheres de personalidades semelhantes e comportamentos opostos.
Tanto Hannah (Katrin Cartlidge) quanto Annie (Lynda Steadman) são personagens inseguras e solitárias.
Mas, enquanto a primeira se esconde por trás de uma máscara de arrogância e humor cáustico, a outra escancara seus medos em crises nervosas.
O desconforto do início da amizade se repete no reencontro das amigas, criando um paralelismo entre passado e presente, que seguem um mesmo percurso: estranhamento, desenvoltura, intimidade e despedida.
Essa repetição contribui para uma claustrofobia recorrente nos filmes de Leigh, cuja visão possui um tipo de humor que imprime a tudo uma ironia rara, que, em vez de instigar o pessimismo, lança sobre os personagens e seus dramas insolúveis um olhar de compaixão e afeto.


Avaliação:    

Filme: Garotas de Futuro (Career Girls)
Diretor: Mike Leigh
Produção: Inglaterra, 1997
Com: Katrin Cartlidge, Lynda Steadman
Quando: a partir de hoje no Cinesesc


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