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MÚSICA ERUDITA
Rufo Herrera revê seu destino em "Band oneon"
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
As notas do encarte reúnem
uma história sucinta do bandoneon, considerações sobre a
técnica instrumental (com exemplos em partitura), comentários a
seu uso na música contemporânea e notas sobre cada peça do
programa, mais um longo e evocativo texto autobiográfico do
compositor e intérprete Rufo
Herrera.
Tudo isso merece registro, porque dá a medida do disco: o mesmo respeito, a mesma atenção
afetuosa dedicada à música se volta também para nós, convocados,
sem condescendência, a habitar
esse espaço tão raro.
De um homem chamado Rufo,
esperava-se que tocasse tímpanos. Mas o "duende" lhe apareceu
em 1938, na província de Córdoba
(Argentina), e definiu a trajetória
do menino de cinco anos "de encontro ao [seu" destino".
Eram 38 botões para a mão direita e 33 para esquerda, a serem
tocados por quatro dedos de cada
(o polegar da direita aciona uma
válvula de ar, o da esquerda ajuda
a segurar o instrumento). Filho de
um camponês, foi aprendendo
sozinho, até ganhar fama tocando
em festas e programas de rádio.
Estudou música, integrou orquestras de tango, viajou, quis fazer carreira como bandoneonista
sério, interpretando Bach e Chopin. Só pediam "Garufa", tango
que teve de repetir 22 vezes numa
boate, antes de desistir do bandoneon e voltar-se para a vanguarda. Aqui em São Paulo, foi guiado
pelo maestro Olivier Toni; na década de 1970, ligou-se ao Grupo
de Compositores da Universidade Federal da Bahia; finalmente
radicou-se em Minas.
Só em 1986, depois de assistir,
espantado, a uma apresentação
de Astor Piazzolla e seu quinteto
em Belo Horizonte, para uma platéia de 1.800 pessoas, teve a coragem de "pedir perdão" e voltar ao
instrumento. Acolhido nas bienais de música contemporânea e
salas de concerto, seu bandoneon
agora transita livremente entre registros bem diversos ou nem tanto, se o que conta é o sentido humano da música. Lançado no ano
em que Rufo Herrera completa 70
anos, o CD "Bandoneon" resume
boa parte dessa bela história: a vida que gira em torno de uma paixão sem nome, cujo veículo é um
estranho instrumento musical.
Rufo toca composições próprias, acompanhado pela Orquestra Experimental da Universidade
Federal de Ouro Preto; também
toca Bach e Piazzolla, e uma versão para bandoneon e cordas de
"El Choclo", milonga clássica de
Angel Villoldo, que "nos carrega
em alegrias de outras viagens", no
final do disco. Um detalhe serve
de emblema: as apojaturas de
"Solidão". Apojatura é uma nota
"vizinha" acentuada, antes de resolver na que pertence ao acorde.
Típica do tango, foi usada com
eloqüência por Piazzolla; também
aparece, por exemplo, em cantatas de Bach ilustrando a palavra
"tragen" (carregar), para dar um
exemplo mais preciso ainda, que
ecoa alucinatoriamente nas nostalgias de Rufo.
Se a orquestra nem sempre está
à altura do mestre, pouco importa. É lindo ver esse professor, de
olhos fechados, solitário em sua
música, cheio de alunos à volta.
De encontro ao seu destino: completando outro círculo de revelação e aprendizado, e abrindo as
comportas do sentimento com as
notas do seu bandoneon.
Bandoneon
Artista: Rufo Herrera e Orquestra
Experimental da UFOP (Universidade
Federal de Ouro Preto)
Lançamento: Karmim (tel. 0/xx/31/
3313-7625 ou www.karmim.com.br)
Quanto: R$ 20, em média
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