São Paulo, quinta-feira, 21 de maio de 2009

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COMIDA

Como azedar uma refeição

Do guardanapo de papel à imposição do couvert. Dez falhas que irritam o crítico Josimar Melo (e qualquer cliente)

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

SABE quando você acaba um almoço ou jantar num restaurante, nada foi péssimo, mas você sai com um gostinho amargo na boca? A comida foi honesta, o preço não foi um assalto, a companhia estava ótima, mas... mas o quê?
Pois é, às vezes os restaurantes escondem detalhes insidiosos capazes de azedar a experiência que deveria ser prazerosa. São coisas simples, mas que ninguém corrige. Quem sabe se os escancararmos aqui, eles possam ser exorcizados. Atire a primeira pedra quem nunca se irritou por umas destas dez mazelas. E, se você também é um dos inconformados, que tal começar a cobrar dos restaurantes que mudem esses pontos irritantes?

1. Vinho: envelhecido mesmo
Vinhos em taça são uma bênção -quando comemos sozinhos ou quando queremos degustar diferentes tipos durante a refeição. Cada vez mais restaurantes aderem à oferta. Mas, de vez em quando, o garçom traz uma garrafa aberta, e vivemos diálogos do tipo: "Foi aberta há muito tempo?"; resposta: "Não, há três dias no máximo". Será que ninguém do restaurante nunca experimentou um vinho aberto há três dias e largado sobre o balcão do bar, enquanto lentamente se degrada? E quantas vezes o cliente aceita distraidamente a taça que pode não estar ainda pútrida, mas já estará ruim o bastante para minar lentamente suas papilas ao longo da refeição? É mal estar certo pelas próximas horas.

2. Copos: afasta de mim este cálice
Já não há mais desculpa para se servir vinhos em taças não apropriadas em restaurantes cujos preços prometem um mínimo de atenção ao serviço. Foram-se os tempos em que só havia taças adequadas se importadas da Áustria ou Alemanha. Hoje, há produtos nacionais de boa qualidade. Por que então usar ainda taças cilíndricas (como se fossem copos de água com pezinho), de vidro grosseiro, e cujo formato e tamanho não permitem sequer sentir os aromas da bebida? Outro problema é usar taças inadequadas para cada bebida. Servir vinho branco em enormes taças de Bordeaux faz com que eles se aqueçam demais. E servir vinho do Porto, que é sempre caro, em tacinhas minúsculas de licor, é uma violência. Na falta de taça especifica, melhor servi-lo em qualquer taça maior, onde pelo menos possa nos brindar com seu maravilhoso bouquet.

3. Tamanho da porção: desperdício compulsório
Nos restaurantes compulsórios, em que os pratos são enormes, mas o cliente não é alertado disso, a situação é delicada. Assim, um casal que pede dois pratos, em geral já empanturrado com um lautíssimo couvert, termina protagonizando um (caro) festival de desperdício. (Cujas sobras dificilmente o casal levará para casa quando atravessar o elegante salão em direção à saída.) Nesses casos, seria elegante que o maître alertasse os clientes sobre o tamanho superlativo das porções, que poderiam ser divididas.

4. Couvert: melhor perguntar
A função do couvert é polêmica. Na origem, é uma taxa que o restaurante cobra pela manutenção de seu equipamento (nada a ver com os 10%, uma gorjeta que, em tese, seria para distribuir entre os funcionários). Mas, no Brasil, o couvert virou sinônimo de tira-gosto, e a taxa -que deveria ser proporcional ao conforto- passou a ser avaliada em relação aos petiscos servidos. O público espera pagar por aquilo que vem à mesa -ou não pagar nada, caso rejeite os petiscos. Por isso, o garçom deve perguntar se o cliente deseja, e não somente servi-lo. É a melhor forma de evitar tensão e mal-entendido.

5. Guardanapo: lixando a boca
Numa refeição decente, o guardanapo de papel lixando os lábios irrita. É natural que, num boteco onde o PF custa R$ 6, tenhamos que nos contentar com aqueles pedacinhos de papel que às vezes sequer lixam -ao contrário, deslizam sobre a gordura dos lábios sem absorver uma gota. Mas em restaurantes de preços salgados, não dá para entender essa economia porca. Guardanapos de pano têm um custo para o estabelecimento, claro. Mas não parece que os preços cobrados em restaurante caros não poderiam absorver esse custo. Nosso lábios agradeceriam se pudessem se livrar daquela fricção.

6. Porção gigante: um por todos
Você pede um prato de macarrão e vem uma travessa gigantesca. Parece lindo... mas será mesmo? É simpática a generosidade das porções nas cantinas paulistanas, pratarrões de macarrão, de assados, de sopas -tudo alimenta duas pessoas ou mais. Mas é incômodo que muitas destas cantinas não tenham versões menores dos pratos, tipo meia-porção. Como fica o cliente que come sozinho? Ou clientes com desejos diferentes? Se o marido quer comer um assado, a mulher, uma sopa, e o filho, uma massa, terão que comprar uma tonelada de comida?

7. Cardápios: santa ignorância
Na hora, a pessoa não percebe. No almoço, lê num cardápio um prato aparentemente chamado nhocchi. Em outro local, escolhe comer gnnochi. No fim de semana, depara-se com um inhoqui. Dias depois é a vez de pedir um nhoche. Até que um belo dia vai recomendar um restaurante que tem um delicioso... caramba, como é mesmo que escreve essa desgraça?! Pois é: no caso dos nomes de pratos, a maioria dos cardápios da cidade nos impele a desaprender as grafias. De tanto lermos nomes errados, fixamos involuntariamente diversas grafias, sem saber a certa. Se o restaurante trabalha com comida, por que não checar a grafia correta e transmiti-la ao público? Por exemplo, escrevendo gnocchi (ou em português, nhoque), spaghetti (espaguete), molho all'amatriciana, molho béarnaise, bife à parmigiana e por aí vai?

8. Vegetarianos: carne fraca
Um bom restaurante vegetariano, que realmente preze os vegetais, deveria servir comida pensada para realçar as qualidades de seus ingredientes. Há, mundo afora, vários que se dedicam a isso. Mas aqui parece haver certa preguiça, que restringe o cardápio dos vegetarianos a saladas e massas. E, pior, aquele show de imitações de pratos carnívoros, tudo preparado com o triste coringa chamado "carne" de soja. Se você for curioso, ou for pago para experimentar tudo o que colocam à sua frente, vai ter de engolir hambúrguer, coxinha, molho à bolonhesa, feijoada com linguiça, paio, carne-seca, costela... Tudo com o mesmo gosto... de soja. Triste espetáculo.

9. Sobremesa: doce preguiça
Parece haver luz no fim do túnel. Mas a seção de sobremesas ainda continua sendo não o "grand final" da refeição, mas um entediante capítulo sem novidades. Nem mesmo há o cuidado da tipicidade, um toque que lembre a nacionalidade da casa: não importa se estamos num restaurante francês, italiano ou árabe, as chances de encontrar os mesmos itens são enormes. O nefando petit gâteau, o batido brownie, o quase sempre malfeito crème brûlée... Boas sobremesas não devem ser esquecidas, é bom que sejam sempre lembradas e homenageadas; mas será que não dá para também trazer novidades -sejam doces clássicos pouco conhecidos, resgatados pelo restaurante, sejam receitas inovadoras?

10. No final: desculpa esfarrapada
Se uma loja nova vende calças e seus produtos rasgam quando os clientes vão vestir, nenhum vendedor dirá: "O senhor entende, é que acabamos de abrir". Se o estabelecimento abriu as portas, supõe-se que está em condições de vender o produto. Pois em restaurantes parece normal esse tipo de desculpa. O prato chegou frio, o bife passou do ponto, não existe ainda a sobremesa prometida no cardápio, tampouco metade dos vinhos da lista. "O senhor há de compreender, abrimos há apenas 15 dias." Não, não dá para compreender -a menos que o senhor do restaurante também compreenda que, se é assim, não vou pagar. Aliás, em alguns locais do planeta há restaurantes que, nos primeiros dias de funcionamento, avisam que estão ainda em treinamento, ou "soft-opening", e que, por isso, cobrarão metade do preço. Parece mais justo: o cliente sabe que vai funcionar como cobaia e que está ganhando (um desconto) para isso.


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