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Salman Rushdie inspirou "eXistenZ"
CHRISTOPHER MICHAUD
da "Reuter", em Nova York
Depois de fazer um filme sobre
pessoas cujo fetiche sexual são acidentes de carro, qual seria seu próximo passo?
Se você fosse David Cronenberg,
retornaria a suas raízes: os gigantescos insetos de "Naked Lunch",
as sondagens corpóreas de "Dead
Ringers" ou a fusão de tecnologia e
anatomia humana de "Videodrome". O novo filme de Cronenberg,
"eXistenZ", é uma fantasia desvairada sobre realidade virtual.
"Começo a achar que o melhor é
ver meus filmes como capítulos
em um único grande livro", disse o
diretor canadense em entrevista à
agência de notícias "Reuter". "Cada um se liga aos outros de alguma
maneira, e todos se refletem."
Cronenberg dirigiu o polêmico e
premiado "Crash", no qual Holly
Hunter, James Spader e Rosanna
Arquette representaram pessoas
que se excitam sexualmente com
acidentes de carros.
As referências de Cronenberg
são o corpo humano, a tecnologia,
a percepção e natureza da existência humana, ou "eXistenZ".
"Não é por nada que o filme se
chama "eXistenZ'", disse. Alguns
críticos qualificaram seu trabalho
mais recente como o "Matrix" (sucesso recente de bilheteria) do homem pensante.
"O filme expressa a visão que o
existencialista tem da vida -ou
seja, que ela não tem outro sentido
além do que damos a ela. Sou totalmente ateu. Se preciso que a vida
tenha sentido, tenho que criá-lo."
Jennifer Jason Leigh é Allegra
Geller, criadora de jogos de realidade virtual, alvo de um complô
para assassiná-la, urdido pelas
companhias rivais do setor tecnológico e pelos chamados "realistas", adversários do mundo fantástico. Quando a base do jogo "eXistenZ", que ela criou, é danificada,
ela e o executivo de marketing são
obrigados a entrar no jogo para reparar os danos.
O filme tem a marca registrada
de Cronenberg: a fusão da tecnologia (o cabo) com o orgânico (o cordão umbilical), a "bioporta".
Essa "bioporta" é ligada na espinha dorsal de quem vai jogar o game. A fonte de energia é o sistema
nervoso, o metabolismo e a energia vital do jogador. O cartucho do
game é o cruzamento entre um rim
e um seio.
Qual foi a intenção do cineasta,
desta vez?
"É verdade que gosto de provocar", disse. "Também é verdade
que tento transmitir uma mensagem, de forma não muito sutil. Me
irrito profundamente com o senso
de estética vigente. Passo meu
tempo tentando modificá-lo."
Isso explica a cena da cirurgia em
"eXistenZ", quando o cartucho do
game é aberto e examinado, numa
operação sangrenta e nada asséptica. "Acho espantosa a idéia de que
a maioria das pessoas reage com
repulsa à visão do interior de seus
próprios corpos."
O diretor não quer passar uma
mensagem tão simples quanto a do
perigo da tecnologia que foge ao
controle humano. Pelo contrário,
fala dela com afeição. "A tecnologia somos nós... ela é a expressão
pura da vontade criativa humana.
Vem de nós mesmos. O fato de que
seja perigosa ou destrutiva vem
apenas refletir o que há em nós
mesmos."
Cronenberg disse que para escrever "eXistenZ" inspirou-se na saga
do escritor Salman Rushdie, que
teve sentença de morte decretada
pelo aiatolá Khomeini, do Irã, por
ter escrito "Os Versos Satânicos".
O autor, nascido na Índia, "escreveu dentro da tradição liberal
ocidental, com liberdade de expressão, ironia e metáfora, mas o
livro foi recebido por uma tradição
fundamentalista que não admite
nada disso. Eram duas realidades
diferentes, cada uma das quais comanda lealdades muito fortes, e o
que aconteceu foi um choque entre
elas. Neste filme discuto tudo isso", disse Cronenberg.
Tradução de
Clara Allain
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