São Paulo, Sexta-feira, 21 de Maio de 1999
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O BALANÇO ATÉ AGORA
Bósnio faz comédia sobre tragédia na Iugoslávia

LEON CAKOFF
em Cannes

Quem diria, viver esse dia: o Festival de Cannes apresentar em competição um filme americano pró-comunismo ("Cradle Will Rock", de Tim Robbins) e um filme russo militarista e pró-americano ("O Barbeiro da Sibéria", de Nikita Mikhalkov), escolhido para a noite inaugural. Mikhalkov é o retrato falado de um cinema que renega suas origens.
Tim Robbins leva seu filme aos anos 30, aos anos da crise e do desemprego, quando o governo federal acalmou a classe artística abrindo frentes de trabalho pelos teatros de todo o país.
Um dos beneficiados foi o jovem Orson Welles, em Nova York. Colérico e agitado, ensaia em 1936 a sua estréia na direção com uma peça panfletária, como se fosse Brecht. Logo o governo se arrepende e persegue artistas e sindicatos.
Mas o melhor retrato de fim de mundo é o melhor filme revelado fora da competição, o inglês "Beautiful People", do estreante bósnio Jasmin Dizdar. Humor negro cruel, provocando muita risada sobre a tragédia da ex-Iugoslávia, o filme transfere para Londres todos os conflitos balcânicos.
"Beautiful People" tem apenas uma concorrente ao Camera d'Or. Competente e promissora, a surpresa agradável vem com a estréia na direção de Sofia Coppola, filha de Francis Ford, com "The Virgin Suicides", adaptado do romance de Jeffrey Euginedes. Busca na adolescência dos anos 70 suaves gestos de inconformismo que culminam com o trágico suicídio de cinco irmãs.
Outro bom filme da paralela "Un Certain Regard" é o italiano "Garage Olimpo", de Marco Bechis -ele mesmo um ex-militante contra a ditadura argentina, preso e expulso do país graças à sua dupla nacionalidade. Suas memórias, agora reveladas, dão origem a um dos melhores filmes já feitos sobre a crueldade militar. O filme reconstitui todo o terror vivido por Bechis, apenas transferindo as suas memórias para um papel feminino interpretado por Antonella Costa.
Um retrospecto ligeiro de Cannes lembra como o próprio sentido dos escândalos se desmancha com o tempo. Nos anos 70 o festival parava com o escândalo dos primeiros filmes com sexo explícito.
Na última segunda, embalado no programa retrospectivo "O Filme de Amor", um filme raríssimo, banido pelo clero e perseguido em inúmeros países, foi exibido para meia platéia de curiosos resistentes -o curta "Un Chant d'Amour", um escândalo pornográfico de 47, sobre o desejo explícito de penitenciários homossexuais, que tem 45 minutos de duração. A sua maior curiosidade: foi o único filme dirigido pelo escritor Jean Genet. Curiosidade satisfeita, a platéia se desmanchou sem reação.


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