|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Drama contido incomoda com inventário de culpas
FÁTIMA GIGLIOTTI
da Reportagem Local
Quem se lembra do caso de amor
improvável entre Robert De Niro e
Meryl Streep em "Amor à Primeira
Vista" ou da conturbada relação
das irmãs de "Georgia" também
identifica um ponto em comum
nos dois filmes: a direção discreta,
mas marcante, de Ulu Grosbard.
É ele, mais um vez, que faz a diferença em "Nas Profundezas do
Mar sem Fim". Afinal, o romance
de Jacquelyn Mitchard -sobre o
sequestro de uma criança de 3
anos, inspirado em fatos reais-,
que foi adaptado pelo ex-crítico de
cinema e agora roteirista Stephen
Schiff, tinha tudo para descambar
para o mais lacrimoso dramalhão.
Confira a trama. Beth (Michelle
Pfeiffer) leva seus três filhos para
um agitado encontro de sua turma
de faculdade. Enquanto vai conferir as acomodações, o do meio, de
três anos, é sequestrado. Mesmo
com os esforços de uma policial rigorosa e lésbica (Whoopi Goldberg), nada acontece, e a família é
obrigada a sobreviver à tragédia.
É a deixa para Grosbard exercer
o seu estilo sóbrio e reflexivo de direção. Tecnicamente irrepreensível, ele desloca o potencial dramático do sequestro e vai fundo nas
consequências dele nos personagens, daí o título do filme. Acaba
realizando um inventário da culpa.
Sua câmera incômoda explora a
culpa da mãe e do irmão mais velho por sentirem-se responsáveis
pela perda, a culpa do pai por não
conseguir perdoá-los, o abandono
da caçulinha por estar isenta desse
cruel inventário e a punição coletiva de ainda ter de, apesar de tudo,
preservar a vida em família. Mas o
faz num registro contido.
Quando o estranhamento que
esse registro provoca, na contramão dos clichês do gênero, torna-se quase familiar, a história fornece a Grosbard um álibi para investir pesado em seu estilo: nove anos
depois, a família muda-se de cidade à procura de redenção e acaba
reencontrando o garoto.
Mais uma vez, o diretor fragmenta a trama e desafia o espectador a
encontrar o sentido dessa cruzada
familiar e afetiva na soma das reações dos personagens. Investe na
inteligência do espectador por
meio de estratégias narrativas sofisticadas, emoções delicadas, e se
arrisca a obter um efeito de distanciamento incomum e perturbador.
Justiça seja feita, para isso ele
conta com a cumplicidade de um
dedicado elenco, com a bela e cada
vez mais talentosa Michelle Pfeiffer em primeiro plano. E ainda revela um jovem talento, o ator Jonathan Jackson, no papel do filho
mais velho. É para quem pode.
Avaliação:
Filme: Nas Profundezas do Mar sem Fim
(The Deep End of the Ocean)
Produção: EUA, 1999
Direção: Ulu Grosbard
Com: Michelle Pfeiffer, Treat Williams,
Whoopi Goldberg
Quando: a partir de hoje no Belas Artes
-Niemeyer, Center Iguatemi 2 e circuito
Texto Anterior: Cinema - "Nas Profundezas do Mar Sem Fim": Tornei-me mais protetora, diz Pfeiffer Próximo Texto: "Os impostores": Stanley Tucci dirige comédia em ritmo de filme mudo Índice
|