São Paulo, Sexta-feira, 21 de Maio de 1999
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Drama contido incomoda com inventário de culpas

FÁTIMA GIGLIOTTI
da Reportagem Local

Quem se lembra do caso de amor improvável entre Robert De Niro e Meryl Streep em "Amor à Primeira Vista" ou da conturbada relação das irmãs de "Georgia" também identifica um ponto em comum nos dois filmes: a direção discreta, mas marcante, de Ulu Grosbard.
É ele, mais um vez, que faz a diferença em "Nas Profundezas do Mar sem Fim". Afinal, o romance de Jacquelyn Mitchard -sobre o sequestro de uma criança de 3 anos, inspirado em fatos reais-, que foi adaptado pelo ex-crítico de cinema e agora roteirista Stephen Schiff, tinha tudo para descambar para o mais lacrimoso dramalhão.
Confira a trama. Beth (Michelle Pfeiffer) leva seus três filhos para um agitado encontro de sua turma de faculdade. Enquanto vai conferir as acomodações, o do meio, de três anos, é sequestrado. Mesmo com os esforços de uma policial rigorosa e lésbica (Whoopi Goldberg), nada acontece, e a família é obrigada a sobreviver à tragédia.
É a deixa para Grosbard exercer o seu estilo sóbrio e reflexivo de direção. Tecnicamente irrepreensível, ele desloca o potencial dramático do sequestro e vai fundo nas consequências dele nos personagens, daí o título do filme. Acaba realizando um inventário da culpa.
Sua câmera incômoda explora a culpa da mãe e do irmão mais velho por sentirem-se responsáveis pela perda, a culpa do pai por não conseguir perdoá-los, o abandono da caçulinha por estar isenta desse cruel inventário e a punição coletiva de ainda ter de, apesar de tudo, preservar a vida em família. Mas o faz num registro contido.
Quando o estranhamento que esse registro provoca, na contramão dos clichês do gênero, torna-se quase familiar, a história fornece a Grosbard um álibi para investir pesado em seu estilo: nove anos depois, a família muda-se de cidade à procura de redenção e acaba reencontrando o garoto.
Mais uma vez, o diretor fragmenta a trama e desafia o espectador a encontrar o sentido dessa cruzada familiar e afetiva na soma das reações dos personagens. Investe na inteligência do espectador por meio de estratégias narrativas sofisticadas, emoções delicadas, e se arrisca a obter um efeito de distanciamento incomum e perturbador.
Justiça seja feita, para isso ele conta com a cumplicidade de um dedicado elenco, com a bela e cada vez mais talentosa Michelle Pfeiffer em primeiro plano. E ainda revela um jovem talento, o ator Jonathan Jackson, no papel do filho mais velho. É para quem pode.


Avaliação:




Filme: Nas Profundezas do Mar sem Fim (The Deep End of the Ocean)
Produção: EUA, 1999
Direção: Ulu Grosbard
Com: Michelle Pfeiffer, Treat Williams, Whoopi Goldberg
Quando: a partir de hoje no Belas Artes -Niemeyer, Center Iguatemi 2 e circuito



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