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Dawkins e Hitchens guiam ateístas
Biólogo norte-americano e polemista ensaísta britânico levam argumentos ceticistas a extremos e viram best-sellers
Para Marcelo Gleiser, "novos ateístas" não representam comunidade científica e colecionam inimigos pela arrogância
23.jan.04/France Presse
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Judeus ortodoxos diante do muro das lamentações, em Jerusalém, Israel
DA REPORTAGEM LOCAL
"Graças ao telescópio e ao
microscópio, a religião não oferece mais explicações para nada importante", diz Christopher Hitchens em "God Is Not
Great" (leia resenha abaixo).
O polemista britânico, conhecido agitador político de direita, conhece hoje, por conta
de suas provocações à religião,
um sucesso nunca antes alcançado por seus mais de 20 livros
e inúmeros ensaios publicados
em jornais e revistas.
Apenas uma semana após o
lançamento, no Reino Unido,
Hitchens já havia vendido
4.000 cópias do livro. Seis semanas depois, ele estava em
sua sétima impressão e desembarcava nos EUA com loas da
crítica e curiosidade geral.
"Eu já tinha criticado o uso
nocivo da religião quando escrevi o livro sobre Madre Teresa de Calcutá", disse Hitchens à
Folha. "Agora, faço um ataque
geral à religião, pois ela é uma
má influência."
O argumento principal de
"God Is Not Great" é que a religião serviu ao homem como explicação do mundo quando a
ciência não existia. Depois disso, não só teria se tornado inútil como passado a ser um entrave para o conhecimento.
Com ironia e pegadinhas retóricas, Hitchens lança desafios: "Se Deus é o criador de todas as coisas, por que devemos
celebrá-lo incessantemente
por fazer algo que para ele é tão
natural?". Também acusa tanto o islamismo como o cristianismo de impedirem que avanços da ciência ajudem a sanar
feridas do Terceiro Mundo. Os
extremistas islâmicos, por resistir a receber ajuda dos países
ricos, achando que a medicina
ocidental faz parte do projeto
de dominação capitalista dos
EUA, e a Igreja Católica, ao
condenar milhões à morte por
ser contra o aborto e o uso da
camisinha, baseada em dogmas
irracionais. O ensaísta se refere
ao papa Bento 16 como "reacionário medíocre".
Hitchens pega carona no sucesso de Richard Dawkins, cujo
"Deus, um Delírio", que chega
aqui em agosto, vendeu meio
milhão de exemplares nos EUA
e mais de 300 mil no Reino
Unido. Biólogo especializado
na teoria da evolução, Dawkins
diz que a intenção de seu livro é
convencer as pessoas de que
devem libertar-se totalmente
desse "vício" que é a religião e
acrescenta que Deus é homofóbico, racista, genocida, entre
outros atributos nada afáveis.
Para o biólogo, Deus não poderia ser uma divindade, pois
um ser tão complexo e superior
ao homem só poderia ter surgido bem depois deste, como
conseqüência da evolução, e
não antes de todas as coisas,
contrariando a teoria de Charles Darwin (1809-1882).
Em "Quebrando o Encanto",
o filósofo norte-americano Daniel Dennett faz uso do darwinismo para analisar a religião
como produto da evolução humana, e não como força de raízes sobrenaturais.
Em entrevista à Folha, Dennett disse que espera que as
pessoas aprendam a discutir e a
investigar a religião de um modo mais natural e científico -e
está otimista. "É preciso que
deixemos de evitar tópicos que
podem ofender os devotos. E
acho que cada vez mais há pessoas religiosas que querem discutir suas crenças com céticos
e cientistas." Dennett defende
uma revolução no modo como
se estuda religião aos moldes
da que Alfred Kinsey (1895-1956) provocou com relação ao
sexo nos anos 40.
No Brasil
As prateleiras das livrarias
brasileiras já estão cheias de recentes títulos ateístas. O best-seller do filósofo francês Michel Onfray, "Tratado de Ateologia", acaba de sair pela Martins Fontes, enquanto "O Livro
Negro do Cristianismo - Dois
Mil Anos de Crimes em Nome
de Deus", de Jacopo Fo, Sergio
Tomat e Laura Malucelli, chega
agora pela Ediouro.
Plínio Junqueira Smith, doutor em filosofia pela USP, participa de um grupo de discussões
sobre o ceticismo, formado na
Unicamp. "Nossa preocupação
é tentar compreender a história do ceticismo e fazer a reflexão sistemática sobre questões
céticas atuais", disse. Smith organizou "Ensaios sobre Ceticismo", coleção de artigos sobre o
tema, e fez o prefácio de "Ateísmo e Revolta", de Paulo Jonas
de Lima Piva, uma análise do
pensamento do padre ateu
Jean Meslier, que viveu no século 17. Ambos os livros saem
agora pela editora Alameda.
Confusão
Para o colunista da Folha
Marcelo Gleiser, o grupo de
"novos ateístas" está causando
uma "grande confusão". "Estão
exacerbando as já arraigadas
posições anticientíficas dos
mais religiosos e criando novos
inimigos devido à arrogância."
Gleiser, professor de física
teórica no Dartmouth College
(EUA), acha perigoso que eles
sejam vistos como porta-vozes
da comunidade científica. "Não
é verdade. Do ponto de vista da
ciência, a posição de ateu radical não faz sentido. Para se afirmar que Deus não existe, é necessário supor que detemos a
totalidade do conhecimento,
algo que é inatingível pelo fato
de a ciência ser uma criação
humana e limitada."
Para ele, o máximo que cientistas podem dizer é que "a
existência de um Deus judaico-cristão é contrária ao que conhecemos do mundo". Por outro lado, "não podemos afirmar
que a informação atual da ausência de uma divindade é definitiva pois não temos informação sobre tudo. A única posição
consistente com a ciência é o
agnosticismo ou, no máximo,
um ateísmo liberal, pronto a
aceitar evidência em contrário,
caso ela ocorra".
(SYLVIA COLOMBO e MARCOS STRECKER)
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