São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

EXPOSIÇÃO

Centro Hélio Oiticica (RJ) recebe a primeira individual do irlandês, que participou da última Bienal de São Paulo

Scully conjuga construção e emotividade

JULIANA MONACHESI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O título da exposição, "Wall of Light" (Parede de Luz), concilia o aspecto estrutural e o etéreo que constituem a síntese da produção de Sean Scully. O irlandês de 57 anos, radicado em Nova York, que teve sala especial na última Bienal de SP, realiza mostra individual a partir de hoje, no Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio.
Partindo de pinturas hard edge (de contornos rígidos) e de op art (que explora fenômenos ópticos) nos anos 70, Scully desenvolveu ao longo da década de 80 um vocabulário de listras horizontais e verticais, trabalhadas em chassis separados, posteriormente unidos, o que lhe possibilitava estender as pinceladas além da tela, conferindo-lhes maior energia.
A exposição no HO apresenta uma obra dessa fase, aquarelas e pinturas mais recentes, em que o artista transformou suas estruturas em "tijolos" de luz, pintados sobre uma mesma superfície, o que faz o encontro das formas parecer mais "flutuante", devido às pinceladas interrompidas.
As pinturas, feitas de sobreposição de camadas molhadas, que revela a memória dos vários gestos, pedem uma contemplação demorada, quando até mesmo as telas mais cinzentas e tristes revelam um calor subterrâneo.
Apesar de não estar no Brasil para a abertura da mostra, Scully concedeu entrevista à Folha de Berlim, por fax. Ele chega ao Rio de Janeiro para uma palestra no dia 16 de setembro.

Folha - As bordas de suas formas geométricas tornaram-se "moles" através do tempo, mas a inter-relação entre elementos individuais na tela manteve-se marca pessoal em suas pinturas. É intencional trazer componentes orgânicos ao racionalismo da arte minimalista?
Sean Scully -
Eu penso que especialmente em pintura, um senso de estrutura arquitetônica vem de um desejo de criar uma ordem moral e o desejo simultâneo de fazer uma contribuição visual/pictórica às estruturas de pensamento universal que dão forma ao nosso tempo.
Nesse sentido, a pintura abstrata afasta-se da natureza e aproxima-se da filosofia, que é a natureza humana. Depois do minimalismo, eu queria reconectar a pintura abstrata ao poder emocional e espiritual que ela havia perdido durante à década "fria" do minimalismo. Então eu comecei a reintroduzir a idéia de formas concorrentes e relações, pintadas emotivamente, no início dos anos 80. Minhas pinturas são atraídas pelas formas e formatos que constituem a vida contemporânea e a beleza das cidades, mas estendi a esse diálogo as cores e superfícies que vieram da história da pintura e da natureza.

Folha - A cor, mais do que a forma, expressa a experiência pessoal em uma pintura. Os sentimentos que emanam de seus trabalhos são melancolia e mágoa. Como funciona sua escolha de cores?
Scully -
No meu trabalho, é altamente intuitiva. A cor, pondo de lado a teoria, tem a potência de ser o espelho perfeito de uma sensibilidade. Quando estou pintando, vou fazendo as cores conforme pinto, de modo que elas sejam inseparáveis do drama da pintura. As bordas são feitas com muitas cores e são a evidência honesta, ainda que misteriosa, de trabalho e sentimento. É verdade que existe uma tristeza na cor e na luz das minhas pinturas. Mas essa é uma questão de natureza, não é uma qualidade que pode ser planejada. Há uma luz declinante em algumas delas, mas há uma energia muito conectada à vida na maneira como a cor é colocada.

Folha - O que você escuta enquanto está pintando?
Scully -
Quando estou pintando, sempre escuto música. Eu tinha um clube de blues em Londres quando tinha 18 anos, e minha mãe era uma cantora, às vezes no "estilo latino". Agora escuto [o compositor estoniano" Arvo Pärt (profundo, rigoroso e sonoro), Bob Dylan (moralmente feroz), Virgínia Rodrigues (sensual, melancólica) e Neil Young (interiormente otimista).

Folha - Qual é seu artista favorito?
Scully -
Hoje em dia seria Agnes Martin, cujo trabalho paira na beira do mundo pictórico. Ela é linear e poeticamente puritana. Seu trabalho é um sussurro constante de esperança.


SEAN SCULLY - WALL OF LIGHT.
Quando: vernissage hoje, às 19h; de ter. a sex., das 11h às 19h; sáb., dom. e feriados, das 12h às 18h. Até 27/10. Onde: Centro de Arte Hélio Oiticica (r. Luís de Camões, 68, RJ, tel. 0/xx/21/ 2232-1401). Quanto: entrada franca.
Patrocinadora: Prefeitura do Rio.




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