São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ciclo discute a "banalidade da moral"

Em seminário, filósofo Franklin Leopoldo e Silva diz que, com indiferença da sociedade, jogatina ocupou espaço público

Conferência será amanhã no Rio e quinta em São Paulo dentro de "O Esquecimento da Política", série que começa hoje

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

O professor de filosofia da USP Franklin Leopoldo e Silva afirma que os políticos e as elites transformaram "o espaço público da política em palco de conflitos de interesses privados". "Os indivíduos não vêem por que politizar a vida, valorizando a sua dimensão pública; não esperam resultados positivos de seus julgamentos e então não vêem por que fazê-los."
A política estará em alta a partir de hoje, quando começa no Rio o seminário coordenado pelo filósofo Adauto Novaes. Mas o sociólogo Francisco de Oliveira -que fala hoje e abre a série em São Paulo, na quarta, no Sesc Avenida Paulista -e os outros palestrantes de "O Esquecimento da Política" exaltarão a política como sinônimo de interesse público, algo que boa parte dos parlamentares brasileiros desconhece.
"Seria demais pedir que a expressão adequada da experiência social de uma comunidade política fosse algo diferente do modelo da jogatina?", pergunta Leopoldo e Silva, que abordará o tema "Moralidade como Política" amanhã no Rio e quinta em SP. Em entrevista por e-mail, ele explica o conceito de "banalidade da moral" e diz que a impunidade ajuda a entender a força de Lula nas pesquisas.  

FOLHA - O que é a "banalidade da moral" e como o conceito pode nos ajudar a observar o Brasil de hoje?
FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA
- Quando os indivíduos e a sociedade não conseguem dar o devido peso aos critérios de apreciação das condutas, tudo se torna igualmente natural e indiferenciado. As pessoas já não são capazes de admirar-se diante da retidão nem de indignar-se diante da podridão. Tudo se torna trivial, e a vida passa a ser regida pela banalidade, que é a indiferença diante das coisas e diante do bem e do mal. Hannah Arendt [1906-1975, teórica política] afirma que isso acontece porque as pessoas perdem a capacidade de julgar e decidir por si mesmas o que seria melhor para elas. Em certos momentos e lugares, oprimir, humilhar, matar e morrer se tornam banais porque o modo como se vive não permite julgar a gravidade das ações. Quando se vive num clima de amoralidade, tudo que se possa dizer acerca da moral perde o sentido. Hoje, no Brasil, vemos uma grande indiferença política. Os indivíduos não esperam resultados positivos de seus julgamentos e então não vêem porque fazê-los. A causa disso é que os políticos e as elites transformaram o espaço público da política em palco de conflitos de interesses privados.

FOLHA - O país vive uma crise moral, por causa dos escândalos, ou é um erro aplicar juízos morais no campo da política?
SILVA
- O país vive uma crise política cuja gravidade pode ser medida pela constatação do desaparecimento da política, isto é, da completa dissolução do interesse público. A facilidade com que são aplicados juízos morais no campo da política é conseqüência desse desaparecimento, o que torna esses juízos meramente formais, quando não inteiramente cínicos. Como só existe integridade individual num contexto de integridade social, e como essa reciprocidade deixou de existir há muito tempo -e não só no Brasil- os julgamentos morais expressam muito mais interesses particulares não atendidos do que apreciações críticas acerca da sociedade. Nesse sentido são mera retórica ou jogos de cena com finalidade eleitoreira.

FOLHA - Na sinopse de sua conferência, o senhor diz que a ocultação da política degrada a experiência social, marcada por mentira, manipulação e mistificação. Como esses elementos se manifestam no Brasil?
SILVA
- O risco de degradação da vida social está presente na simples transferência direta dos valores individualistas privados para a esfera pública. É nessa confusão que a mentira e a mistificação desempenham um papel relevante, pois o privado só se faz passar pelo público através dessas manipulações. Por ocasião dos "escândalos", esse jogo de interesses privados aparece, mas apenas porque as circunstâncias não permitiram que todos os interesses fossem contemplados, ou porque os envolvidos não souberam ou não puderam manter-se na posição de quem distribui as cartas, ou porque, em todo jogo, nem sempre se tem a melhor mão. Seria demais pedir que a expressão adequada da experiência social de uma comunidade política fosse diferente do modelo da jogatina?

FOLHA - Como o senhor avalia a liderança de Lula nas pesquisas se, desde o ano passado, os escândalos passam por seu governo?
SILVA
- Deixando de lado o decantado carisma do presidente, que é um fator a ser considerado, creio que o fenômeno se deve também à banalização da ética, que traz como sua contrapartida a banalização das condutas não-éticas, e por conseqüência, dos "escândalos". Para este aspecto contribui sobremaneira o sensacionalismo da mídia, que transforma tudo em espetáculo. A trivialização das condutas não-éticas provém ainda da impunidade de vários dos envolvidos e dos critérios partidários ou grupais que se tornam visíveis nas votações. De modo que não se trata apenas do fato de que o presidente não é atingido pelos escândalos; a questão mais grave é que a maioria dos envolvidos também não é atingida, o que faz com que o cidadão comum deposite pouca confiança nos procedimentos de apuração e eventual punição.


Texto Anterior: Nelson Ascher: Impasses da intelectualidade
Próximo Texto: Gramado esquarteja premiação nacional
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.