São Paulo, sexta-feira, 21 de setembro de 2007

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Crítica/"Bem-Vindo a São Paulo"

Estranhamento do olhar une episódios em boa reflexão sobre SP

Com roteiro do criador da Mostra, Leon Cakoff, filme reúne as visões de diretores como Amos Gitaï e Tsai Ming-liang

Divulgação
"Marco Zero", de Phillip Noyce
O diretor australiano ("O Americano Tranqüilo") filma o ponto nevrálgico da cidade, o Marco Zero, na praça da Sé, por meio de olhares de estudantes e de outros freqüentadores do local


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Bem-Vindo a São Paulo" é menos um filme de homenagem à cidade, como o título em princípio sugere, do que uma proposta de reflexão sobre a cidade feita por Leon Cakoff a cineastas convidados de sua Mostra Internacional.
O segmento inicial, narrado por Caetano Veloso, já propõe essa visão crítica: observa a hoje agonizante mata atlântica e o esforço que terá sido conquistá-la, no século 16, antes de instalar a futura cidade no planalto, em 1554. O tom está dado, e não é o de um cartão-postal.
"Bem-Vindo" compõe-se de um número grande e heterogêneo de fragmentos, ora mais, ora menos felizes, unidos pelo estranhamento do olhar. A cidade é vista, quase sempre, por pessoas que mal a conhecem. O estranhamento produz, no caso, o interesse. Esse olhar surpreso se mostra paradoxalmente mais apto a captar o ambiente urbano do que o dos cineastas mais habituados a ele.
Existem preferências que podem ser pessoais. O olhar do malaio Tsai Ming-liang em "Aquário" é forte: ele observa a vida num treme-treme (salvo erro é o edifício São Vito) do exterior, sem se aproximar, sem buscar a intimidade dos habitantes. São as coisas que estão na cara que importam e que acabam se mostrando (tornando insignificantes detalhes técnicos como estar em foco).
O episódio do israelense Amos Gitaï interessa por aquilo que o cineasta diz: o cinema existe hoje como um fetiche.
Fetiche da autoria, da autenticidade, de tal modo que ele mesmo, Gitaï, não precisar filmar nada. Basta que se acredite que ele filmou aquilo. O signo Gitaï toma o lugar da pessoa e a substitui. Em seguida, surgem as imagens da cidade que o fascinaram, mas que não teve tempo para filmar. Que importa? Essas são as suas imagens.
A sucessão dos episódios, que se pode admirar mais ou menos, conforme o gosto, acentua a convicção de unidade criada pela montagem (assinada por Cristina Amaral e pelo próprio Leon Cakoff), com a ajuda de um sistema de vinhetas que permite articular os segmentos, evitando as arbitrariedades próprias do filme de episódios. O final nos reserva o melhor.
Não o episódio de Wolfgang Becker, com o banal artifício de aceleração das imagens para significar o caótico da vida metropolitana. Mas o momento posterior, quando, entre planos filmados na praça do Patriarca ou no Viaduto do Chá, surge um adolescente tímido que distribui folhetos aos passantes.
Estes quase sempre recusam-se a estender o braço para apanhá-los. Eles não vêem o rosto do menino. Nós, sim. Percebemos o reflexo da indiferença dos outros na sua expressão, no sentimento de rejeição que experimenta. É, de longe, a mais bela imagem, que melhor caracteriza o espírito do filme: convém a quem chega a São Paulo, de passagem ou não, deixar a esperança do lado de fora.

BEM-VINDO A SÃO PAULO
Direção:
Tsai Ming-liang, Leon Cakoff, Amos Gitai, entre outros
Produção: Brasil, 2004
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco e Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: bom


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