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"A PEDREIRA"
Filme erige thriller sobre racismo sul-africano
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
A Mostra de SP cultiva uma
predileção pela belga Marion
Hansel. Exibiu, no curso de 11
anos, todos os longas-metragens
da diretora, incluindo o admirável pelas imagens e estrutura
dramática "Entre o Inferno e o
Profundo Mar Azul" (95). Este
ano, a cineasta está no júri do
evento, mas por educação deve
se abster de votar em "A Pedreira", seu último filme.
"A Pedreira" valeria, porém,
todos os votos, a exemplo do que
aconteceu no Festival de Montreal de 98, onde obteve o prêmio máximo.
Quanto à sua história, o filme
pode ser classificado como um
"thriller", havendo até mesmo
situações que ecoam Hitchcock.
Nos confins da África do Sul,
um misterioso fugitivo assassina
o reverendo batista homossexual que lhe dá carona porque,
descontroladamente bêbado, o
religioso insiste em tocá-lo.
Depois de esconder o corpo
numa pedreira, o homem assume a identidade do morto, bem
como o posto destinado a ele
num pobre vilarejo. A seguir envolve-se com um xerife branco e
dois irmãos negros, ladrões de
malas.
Sob o manto do suspense, Marion Hansel fala, mais uma vez,
da falsa tolerância entre raças e
culturas diferentes, da propaganda de uma utopia racial que
serve unicamente à perpetuação
de mecanismos de dominação.
Se Nelson Mandela assistisse a
seu filme, com certeza perderia o
sono.
Sustentada em romance de
Damon Galgut, a diretora lança
um olhar que descarna personagens até o osso, expondo o desconforto que se entranha sob a
pele tanto de excluídos como de
detentores de poder.
Seu tratamento dos temas da
identidade e do racismo tem a
luminosidade atordoante das
páginas de "O Estrangeiro", de
Albert Camus.
Caminha-se pelo fio da navalha, num sol de meio-dia e sem
sombra de julgamentos, ainda
que se veja na tela cárcere e tribunal.
Também não há fecho moral
reconfortante. Ao contrário, na
sequência final o pesadelo morde o próprio rabo: as identidades se superpõem mais uma vez,
o que leva todos personagens e
espectadores a compartilhar
uma única miséria.
"A Pedreira" é um filme árido
e sem Deus, mas, ao mesmo
tempo, profundamente piedoso,
ou cristão.
Avaliação:
Filme: A Pedreira
Título original: The Quarry
Direção: Marion Hansel
Produção: Bélgica, 1998, 110 min
Com: John Lynch, Jonny Phillips e
Sylvia Esau
Quando: amanhã, às 12h, no Espaço
Unibanco
Outras exibições na mostra: dias 23,
25 e 28
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