São Paulo, Quinta-feira, 21 de Outubro de 1999
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"A PEDREIRA"
Filme erige thriller sobre racismo sul-africano

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

A Mostra de SP cultiva uma predileção pela belga Marion Hansel. Exibiu, no curso de 11 anos, todos os longas-metragens da diretora, incluindo o admirável pelas imagens e estrutura dramática "Entre o Inferno e o Profundo Mar Azul" (95). Este ano, a cineasta está no júri do evento, mas por educação deve se abster de votar em "A Pedreira", seu último filme.
"A Pedreira" valeria, porém, todos os votos, a exemplo do que aconteceu no Festival de Montreal de 98, onde obteve o prêmio máximo.
Quanto à sua história, o filme pode ser classificado como um "thriller", havendo até mesmo situações que ecoam Hitchcock.
Nos confins da África do Sul, um misterioso fugitivo assassina o reverendo batista homossexual que lhe dá carona porque, descontroladamente bêbado, o religioso insiste em tocá-lo.
Depois de esconder o corpo numa pedreira, o homem assume a identidade do morto, bem como o posto destinado a ele num pobre vilarejo. A seguir envolve-se com um xerife branco e dois irmãos negros, ladrões de malas.
Sob o manto do suspense, Marion Hansel fala, mais uma vez, da falsa tolerância entre raças e culturas diferentes, da propaganda de uma utopia racial que serve unicamente à perpetuação de mecanismos de dominação. Se Nelson Mandela assistisse a seu filme, com certeza perderia o sono.
Sustentada em romance de Damon Galgut, a diretora lança um olhar que descarna personagens até o osso, expondo o desconforto que se entranha sob a pele tanto de excluídos como de detentores de poder.
Seu tratamento dos temas da identidade e do racismo tem a luminosidade atordoante das páginas de "O Estrangeiro", de Albert Camus.
Caminha-se pelo fio da navalha, num sol de meio-dia e sem sombra de julgamentos, ainda que se veja na tela cárcere e tribunal.
Também não há fecho moral reconfortante. Ao contrário, na sequência final o pesadelo morde o próprio rabo: as identidades se superpõem mais uma vez, o que leva todos personagens e espectadores a compartilhar uma única miséria.
"A Pedreira" é um filme árido e sem Deus, mas, ao mesmo tempo, profundamente piedoso, ou cristão.


Avaliação:     

Filme: A Pedreira Título original: The Quarry Direção: Marion Hansel Produção: Bélgica, 1998, 110 min Com: John Lynch, Jonny Phillips e Sylvia Esau Quando: amanhã, às 12h, no Espaço Unibanco Outras exibições na mostra: dias 23, 25 e 28

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