São Paulo, Quinta-feira, 21 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER"
Mojica restaurado só passa hoje

Reprodução
A cena das aranhas de "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver", hoje na Estação Vitrine


JAIRO FERREIRA
especial para a Folha


"Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver", 1966, clássico do horror nacional, o mais popular filme realizado por José Mojica Marins, será exibido hoje pela segunda e última vez na Mostra Internacional, em cópia restaurada com algumas cenas perdidas há 15 anos.
O filme foi rodado em branco-e-preto, com ótima fotografia de Giorgio Attili, mas o ponto culminante é a sequência do inferno colorido, "Capela Sistina do cinema", segundo o diretor do Festival de Cinema Fantástico de Sitges (Espanha). Dante Alighieri deve ter tremido na tumba.
O filme começa onde termina "À Meia-Noite Levarei a Sua Alma" (64), com a curiosa ou bizarra filosofia de Zé do Caixão: "Quem sou eu não interessa, como também não interessa quem é você. Na realidade, o que importa é saber o que somos. Não se dê ao trabalho de pensar porque a conclusão seria a loucura. O final de tudo, para o início de nada."
Revisto em fim de milênio, o filme ganha novas dimensões apocalípticas e mantém o niilismo na ordem do dia. Não há nada de neonazista ou satanista em toda essa parafernália.
O personagem Zé do Caixão é um agente funerário que promove bacanais e muitas atrocidades, desafiando a ordem estabelecida. Um verdadeiro transgressor.
Solta cobras e aranhas em cima das donzelas, em algumas das melhores cenas do filme. O objetivo é encontrar a mulher superior com a qual terá um filho perfeito.
"A existência. O que é a existência? A morte. O que é a morte? Não seria a morte o início da vida? Ou seria a vida o início da morte?"
Seria este filho de espanhóis um Heidegger da Mooca? Ou seria ele apenas um suburbano que leu Nietzsche em versão de almanaque? Como inventor instintivo e autodidata, Mojica está muito além da imaginação dos caretas pejorativos.
O cineasta Gustavo Dahl já escreveu sobre o filme, lembrando o surrealista André Breton: "O que há de mais fantástico no fantástico é que tudo é real".
Mojica é um artista, bárbaro e paradoxal, que experimenta (mesmo sem saber) todos os desvios da linguagem cinematográfica, os curtos-circuitos do filme.
Como diria Rimbaud, se tivesse amado o cinema, Mojica inventou o "reterror", ao trabalhar todas as subversões do sentido habitual do fantástico, para gáudio da "Madame Eternidade".


Avaliação:     

Filme: Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver Direção: José Mojica Marins Produção: Brasil, 1966, 107 min Com: José Mojica Marins e Roque Rodrigues Quando: hoje, às 21h45, no Vitrine

Texto Anterior: Filme erige thriller sobre racismo sul-africano
Próximo Texto: Kiarostami resgata o otimismo
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.