São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Obra foge do academicismo, mas falha como referência

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Maria Della Costa merece todas as homenagens que houver. Não pelos triunfos da carreira, mesmo que muitos e importantes, já que a relevância de um ator não pode ser medida unicamente pela fama e sucesso. Deve ser celebrada pela sua dedicação pelo teatro, sua coragem por ter erguido sem nenhum apoio oficial, só contando com sua teimosia e a devoção de seu grande amor Sandro Polloni, um teatro pioneiro de repertório abrangente, muitas vezes refinado, muitas vezes revolucionário.
Por isso não é desmedido o fato de a coleção "Aplauso" lhe dedicar um volume muito maior que o padrão habitual, não se limitando a uma entrevista, mas incluindo uma biografia ampla, que tem como origem a dissertação de mestrado de Warde Marx.
Marx foi bastante ambicioso ao tentar, além de acompanhar a trajetória da atriz e de sua companhia, situá-la dentro de um panorama mais amplo, que inclui trajetórias de outras companhias contemporâneas, um resumo da história do Brasil e mesmo uma conceituação geral sobre o modernismo. É aí que o projeto se esgarça. Marx deixa sua biografada no começo da carreira de modelo, ainda em Porto Alegre, para uma longa digressão que parte do simbolismo do século 19 para ir atropelando nomes em resumos quase caricaturais, quando não equivocados ("Maiakóvski escreve textos de difusão do comunismo"), o que, antes de tudo, é bem pouco esclarecedor para seu objetivo principal.
O tom informal é agradável, procura tirar a sisudez que muitas vezes engessa um texto acadêmico, mas cede a um impressionismo que acaba destruindo sua credibilidade. A própria iniciativa de colocar um quadro comparativo do repertório do TBC, Arena, Oficina, entre outras companhias, ano a ano, esbarra em várias omissões e imprecisões que comprometem o livro como fonte confiável.
Se essa é uma falha da orientação de seu mestrado, a edição aprofunda o equívoco ao considerar desnecessários elementos fundamentais como o índice, legendas detalhadas e referências das citações, além de um caos completo nos subtítulos e na diagramação. Mesmo a transcrição, sem nenhuma edição, do depoimento de Maria Della Costa, no final do volume, deixa antes de tudo as informações confusas, sem ganho de espontaneidade, já que não se sente o entrevistador provocando a entrevistada, como fez, por exemplo, Simon Khouri no volume 3 de "Bastidores".
Ambicioso demais por um lado e raso de outro (a apreciação crítica das atuações de Maria Della Costa, em geral, é referida apenas enquanto aprovação ou reparos, sendo esses logo relevados por Marx), sente-se que este volume é antes de tudo uma apaixonada e merecida homenagem à grande atriz. Mas, tentando fugir ao academicismo, falha enquanto livro de referência.


Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida
  
Autor: Warde Marx
Editora: Imprensa Oficial do Estado
Quanto: R$ 18 (232 págs.)



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