|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GASTRONOMIA
SUSTANÇA
"Batuque na Cozinha" traz receitas como rabada e bobó de camarão
Comida para "encher" das "tias" da Portela vira livro
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Segundo a observação de um jovem portelense, há uma "cultura
do excesso" na tradição dos subúrbios cariocas. A comida é um
dos aspectos dessa cultura. As
pastoras que cantam nos terreiros
de samba também conhecem os
segredos da culinária consistente
-pesada ou "junkie food", na visão do esnobismo diet- que chega à mesa com fartura.
Parte desses segredos está revelada em "Batuque na Cozinha", livro do jornalista Alexandre Medeiros (com fotos de Bruno Veiga) sobre a vida e a obra (gastronômica) de quatro "tias" da Portela: Doca, Surica, Eunice e Neném. As três primeiras cantam na
Velha Guarda da Portela, enquanto a última é viúva de Manacéa,
um dos maiores compositores e
líderes da escola.
Como escreve Medeiros nos
perfis, as quatro enfrentaram
muitas dificuldades na vida, mas
nunca perderam o amor pelo
samba e a generosidade na cozinha. Quando criança, Jilçária
Cruz Costa, 71, a Doca, ia com a
mãe no cais do porto pedir aos
marinheiros sobras das refeições.
Para ela, a comida não pode deixar lacunas no estômago.
"Eu não gosto de cozinhar salgadinhos, essas frituras. Fazem
mal à saúde e não alimentam. Comida é para encher. Por isso eu
gosto de fazer rabada, angu à
baiana, sopa de entulho", diz Doca, 71, citando alguns dos pratos
que estão no livro.
"Pratos", aliás, não é o termo
adequado. São caldeirões, já que
nas tradicionais festas suburbanas são fartas a freqüência, a bebida e a duração, o que exige equivalência da comida. No pagode
que comanda desde 1981 -um
dos mais famosos do Rio- Doca
serve doses sem fim de sopa de ervilha. A receita está no livro.
Para estabelecer uma padronização, as medidas das receitas de
"Batuque na Cozinha" prevêem
entre dez e 15 bocas. Afinal, ninguém vai fazer um cozido como o
ensinado por tia Neném para um
jantar a dois. O mesmo vale para a
"feijoada do Cafofo da Surica",
servida nos famosos pagodes que
a cantora sedia na vila onde mora,
em Madureira.
"Já fiz até para 300 pessoas", orgulha-se Iranete Barcelos, a Surica, 63, que conta com a ajuda de
uma equipe na cozinha. "Mas não
acho que ensine a ninguém. Isso é
um dom, a pessoa já nasce com
ele", acredita. Doca pensa parecido: "Cada pessoa tem seu modo
de temperar".
Bacalhoada, mocotó, galinha ao
molho pardo, bobó de camarão e
tripa lombeira são outros pratos
(ou caldeirões) que estão no livro.
Medeiros o concebeu enquanto
acompanhava as filmagens do
curta-metragem homônimo (de
Anna Azevedo) e viu que as histórias rendiam mais do que 19 minutos. "As lembranças delas têm
sabor de comida. Elas contam
suas histórias remetendo a situações em que estavam cozinhando.
Representam uma tradição que
pode estar se perdendo", diz ele.
BATUQUE NA COZINHA Autor:
Alexandre Medeiros. Editora: Senac Rio/
Casa da Palavra. Quanto: R$ 35.
Texto Anterior: Latão visita a irônica ambigüidade machadiana Próximo Texto: Mundo gourmet: Girassol do Alentejo tem bacalhau a preços módicos Índice
|