São Paulo, sábado, 21 de novembro de 1998

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LIVRO LANÇAMENTO
Foi o 'seu' Cabral?

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha


"Quem foi que descobriu o Brasil? Foi "seu' Cabral...", já se cantou em versos em muitos carnavais. Mas foi "seu" Cabral? Ou foi "seu" Pinzón?
Perto do aniversário de 500 anos do descobrimento, ainda não se sabe ao certo quem descobriu o Brasil -se é que se pode usar o verbo "descobrir" para narrar a chegada de europeus a uma terra habitada por 4 milhões de nativos.
Num épico envolto em segredos e espionagens, já se falou que o navegador Duarte Pacheco Pereira, numa missão secreta enviada pelo rei de Portugal, dom Manoel 1º, teria aportado na Amazônia em 1498, dois anos antes de Pedro Álvares Cabral -que chegou em 22 de abril de 1500.
Nunca foi provado se Duarte Pacheco chegou a terras brasileiras ou "descobriu" o litoral das Guianas. Era a palavra do navegador contra a de outros. É quase certo que Pacheco tenha descoberto terras espanholas, segundo o Tratado de Tordesilhas (assinado em 1494 e que dividiu as terras do Novo Mundo entre Portugal e Espanha).
É certo, hoje em dia, que Cabral, com sua "pequena" frota de 13 naves e 1.500 homens, tinha informações sobre o Brasil e desviou sua rota propositalmente, pois sabia o que iria encontrar. Como se não bastasse, mais um intruso aparece para difamar a primazia de "seu" Cabral. Um, não. Dois.
O jornalista Eduardo Bueno, 40, acaba de publicar o livro "Náufragos, Traficantes e Degredados", em que aponta que dois navegantes espanhóis, Vicente Yañez Pinzón e Diego de Lepe, estiveram em terras brasileiras em janeiro e fevereiro de 1500 -um par de meses antes de Cabral.
O livro, que trata dos 30 primeiros anos do Brasil, é parte da coleção Terra Brasilis, publicada pela Objetiva. O primeiro volume da coleção é "A Viagem do Descobrimento", também de Bueno.
"Há 14 anos que pesquiso esse tema. Tenho uma coleção de 7.000 livros. O descobrimento foi uma grande aventura. Os indícios da viagem de Duarte Pacheco e de Pinzón estão na coleção "História da Colonização Portuguesa no Brasil"', diz Bueno.
Segundo o jornalista, Pinzón -que acompanhara Cristóvão Colombo na primeira expedição ao Caribe- chegou em 26 de janeiro de 1500 à ponta de Mucuripe (10 km ao sul de Fortaleza).
Pinzón desembarcou no território dos agressivos índios potiguar.
A recepção não foi das melhores. "Mataram oito dos nossos com setas e dardos e mal houve um que não tivesse sido ferido", narrou o navegador, ainda em 1500, ao historiador italiano Piero Martir de Anghiera -documento que consta do livro de Bueno.
"Nossa história é também contada por historiadores portugueses, que são muito lusófilos e nunca admitiam a chegada dos espanhóis. Essa discussão é embevecida de patriotismo. Comecei a consultar fontes mais isentas. Pinzón é um personagem fabuloso. Capistrano de Abreu também defendia que os espanhóis chegaram antes", afirma Bueno.
Pinzón deixou uma cruz no litoral do Ceará e, em fevereiro de 1500, entrou no rio Amazonas. Foi quando seu primo, Diego de Lepe, outro capitão espanhol, chegou com sua frota, nos primeiros dias de fevereiro de 1500, ao cabo de Santo Agostinho (PE). Lepe teria visto a cruz deixada por Pinzón. Ambos sabiam que estavam em terras de Portugal, de acordo com Tordesilhas.
"Os espanhóis não tiveram a sorte de Cabral. Chegaram a uma costa terrível, pantanosa, onde viviam as tribos mais ferozes. Chegaram e foram embora. Cabral fincou a cruz, mandou rezar a missa e despachou a carta a Portugal, pedindo que enviassem outra expedição", completa Bueno.
O almirante Max Justo Guedes, 71, diretor do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha, diz que a viagem de Pinzón é documentada e prova sua chegada ao Brasil antes de Cabral. "As primeiras referências ao Brasil aparecem nas cartas de Juan de la Cosa, navegador de Pinzón, e nos mapas que, sobrepostos, dão a localidade exata da chegada do espanhol", diz Guedes.
Segundo ele, tais documentos, que se encontram no Arquivo das Índias, em Sevilha, são resultado de uma disputa judicial entre os herdeiros de Colombo e a coroa espanhola. Na investigação do século 16, navegantes e testemunhas foram ouvidos. Foi quando se tornou pública a viagem de Pinzón.
"Sobre Duarte Pacheco, temos a palavra dele. Sobre Pinzón, temos relatos detalhados da viagem, os dias de navegação, testemunhos e mapas de viagem perfeitamente reconstituíveis pelos navegantes."
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Livro: Náufragos, Traficantes e Degredados
Autor: Eduardo Bueno
Lançamento: Objetiva
Quanto: R$ 17,50 (200 págs.)




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