São Paulo, sábado, 21 de novembro de 1998

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"Descoberta' divide historiadores


CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

Dizer a um português que não foi Pedro Álvares Cabral o primeiro europeu a aportar no Brasil é tomado quase como ofensa -apesar de ter sido um deles, o professor Jorge Couto, presidente do Instituto Camões, quem levantou a hipótese de que Duarte Pacheco teria chegado aqui, em missão secreta, dois anos antes de "seu' Cabral.
"Essa é uma história muito conhecida, muito batida e muito refutada", disse à Folha, por telefone, o professor Romero Magalhães, responsável, do lado português, pelas comemorações dos 500 anos do descobrimento.
"Já em 1922, o então embaixador português no Brasil, Duarte Leite, refutou totalmente essa história. Um de seus argumentos foi que essas viagens só foram documentadas muitos anos depois. Os fatos apresentados não permitem dizer que Cabral não foi o primeiro."
Em seguida, até admite que algum outro navegador tenha estado antes na costa norte do território brasileiro, mas diz que "isso é irrelevante". "Cabral é o único que historicamente tem consequências", diz Magalhães.
Já a historiadora brasileira Janaína Amado, da Universidade de Brasília, acha que colocar Cabral como descobridor vem da necessidade portuguesa de encontrar um "herói" lusitano para ser o iniciador do Brasil. Ela aceita completamente a tese de que navegadores espanhóis chegaram aqui antes.
"Não há dúvida de que Pinzón teria chegado ao território que hoje é brasileiro. A escolha de Cabral como descobridor foi uma decisão política e cultural de dar uma origem portuguesa a uma terra que se tornou portuguesa. Foi uma escolha a posteriori", diz.
A professora Laura de Melo e Souza, chefe do Departamento de História da USP, rejeita o termo "descobrimento", mas afirma que foi Cabral quem tomou posse da terra. "Quem incorporou o território a Portugal foi Cabral, sobre isso não tem discussão possível", diz.
"Ele tomou posse em nome do rei e Portugal começou a enviar missões ao Brasil."
Geraldo Pieroni, também da UnB, acha que a carta de Pero Vaz de Caminha é o documento que prova que foi Cabral o descobridor. "Não há outro documento de posse igual. Não é importante quem chegou primeiro, afinal dizem que até os chineses estiveram aqui antes. Importante é efetivar a descoberta, o que Cabral fez."
A tese da carta como documento é, porém, rejeitada por Janaína Amado. "A carta de Caminha só foi descoberta no século 19. Na verdade, havia pelo menos quatro possíveis descobridores. Mas a história é feita de escolhas e era importante que, naquela hora, a escolha recaísse sobre um português."



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