São Paulo, sábado, 21 de novembro de 1998

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ARTE ENGAJADA
Organizados em torno do Grupo de Estudos Anarquistas, jovens se tornaram ídolos de famílias sem-teto
Punk do Piauí toca rock e invade terra

Fabiano Accorsi/Folha Imagem
Rapazes punks integrantes do GEA (Grupo de Estudos Anarquistas), que participam de movimentos sociais na periferia de Teresina, no Estado do Piauí


XICO SÁ
enviado especial a Teresina

WAGNER OLIVEIRA
da Agência Folha, em Teresina

Mais de duas décadas depois de tirar a poeira e o mofo da vida besta de Londres, Berlim e Nova York, o movimento punk ressurge, sob o sol de 44C, em Teresina, Piauí, Brasil, com participação direta em invasões de terra.
Filiados aos mesmos três acordes sujos e à cartilha anarquista de Mikhail Bakunin, desempregados e garotos de classe média baixa tocam punk-rock e estão na linha de frente de invasões dos sem-teto e sem-terra dos arredores da capital do Estado.
Na primeira tentativa, no início deste ano, os anarcopunks se deram mal: a polícia demoliu os seus planos, em uma batalha dentro de um terreno baldio.
A segunda ação direta, realizada há cinco meses, firmou os rapazes do GEA (Grupo de Estudos Anarquistas) como verdadeiros ídolos -embora rejeitem o elogio- de cerca de 5.000 famílias de sem-teto que hoje moram na vila Irmã Dulce, resultado da invasão.
"Esses meninos entraram aqui, desmataram o terreno com a gente, orientaram e ainda foram lá no Palácio do Karnak enfrentar a polícia e o governador", conta a dona-de-casa Antonia Maria de Souza, 62, uma das moradoras da vila.
Os anarcopunks, como preferem ser chamados, formam um grupo de cerca de 40 jovens e ficaram conhecidos há quatro meses, quando, como relembra a dona de casa, ocuparam, na companhia dos sem-teto, o gabinete do governador reeleito Francisco de Moraes Souza, o Mão Santa (PMDB).
Eles exigiam do governador uma solução definitiva para o terreno da vila, como a garantia de posse definitiva.
Depois de resistir por um dia dentro do palácio, os anarcopunks e os favelados foram expulsos pela Polícia Militar.
"O GEA é pacífico, não agride. Mas também não fugimos da briga quando nos batem", diz Fofão, 22, um dos integrantes, que, como os demais membros, prefere não revelar seu nome verdadeiro.
"Somos muito marcados e não queremos atrair a violência policial", explica.
Punk-rock-hardcore

Hora de invadir terra, invadir terra. Hora de tocar o puro punk-rock-hardcore, entram em cena as bandas Ingovernáveis e Evidência, mantidas por componentes do GEA no Mocambinho, bairro da periferia de Teresina.
"A gente tem consciência de que punk não é só curtição e visual, tem que ter uma ação direta ligada aos movimentos populares", diz Vira-Lata, fã de Bakunin.
"Como sempre a história dos movimentos anarquistas mostrou", continua.
Embora condenem a atuação de todos os partidos políticos e qualquer outra instituição convencional, os anarcopunks convivem em harmonia, durante atividades ligadas a invasões, com dirigentes de siglas de esquerda, como PT, PC do B, PSB e PSTU.
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Rodízio no acampamento
Os integrantes do grupo, entre 20 e 25 anos, participam diariamente, por meio de um esquema de rodízio, da vida dos moradores da vila Irmã Dulce, onde costumam dormir em redes estendidas nos barracos de taipa (parede barro e varas de madeira).
"No início achavam nosso jeito esquisito, as roupas pretas, os cabelos", conta Carioca. "Hoje, é isso que vocês estão vendo", diz, enquanto é cumprimentado por moradores ao escalar o Morro do Chacal, uma das subdivisões do loteamento. Roupa de punk à moda inglesa, no entanto, não é obrigação visual no calor piauienses.



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