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Chega ao país a locomotiva Martin Amis
Sai no Brasil "Trem Noturno", primeiro policial do autor inglês; escritor fala à Folha sobre a obra e discute temas como o fracasso e sua amizade com o escritor foragido Salman Rushdie
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CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local
Quando tinha 24 anos, o inglês
Martin Amis escreveu seu primeiro romance. Com "Rachel Papers",
o filho do consagrado escritor sir
Kingsley Amis ganhou o prêmio literário Somerset Maugham e um
respeitável cacho de estigmas.
Ao mesmo tempo que virou porta-estandarte de uma geração de
autores como Ian McEwan e Julian
Barnes, se consagrou como representante de temas como inveja,
pessimismo e fracasso e como trabalhador meticuloso de palavras.
Hoje, com o dobro da idade e
mais de 15 livros publicados, incluindo o recém-lançado "Heavy
Water" (contos), Amis ainda se
defronta com os mesmos rótulos.
Em "Trem Noturno", publicado
esta semana no Brasil, pela Cia. das
Letras, o autor faz a tentativa mais
consistente de sair dos trilhos sobre os quais vem rodando.
Mas seu primeiro livro policial
não deixa dúvidas. Em meio a um
cenário de romance "noir", com
neblina e clichês como "Aquela
noite eu estava só", circula a mesma "locomotiva" Martin Amis,
que transporta temas como fracasso e crises existenciais.
Percorra a seguir alguns vagões
do "Trem Noturno" do escritor,
em entrevista dada por telefone, de
sua casa, em Londres.
Folha - Em romances anteriores,
o sr. criou uma ampla galeria de
personagens fracassados, como o
escritor Richard Tull, de "A Informação". Em "Trem Noturno", a
personagem rica, bonita e bem-sucedida morre. Quem narra o livro é
a detetive Mike Hoolihan, "desleixada, desprezível, nojenta...". Por
que o elogio ao fracasso?
Martin Amis - Sucesso, como tema, só combina com romances de
aeroporto, com best sellers. O sucesso é vulgar e invariável. O fracasso é complexo e rico.
Folha - "Trem Noturno" parece
criticar um inchaço da auto-estima. O sr. acha que o livro mostra
que devemos nos amar menos?
Amis - Não necessariamente.
Mas acredito que "Trem Noturno"
mostra que vivemos com nossas
falhas, não com nossos sucessos.
Somos frequentados pelo fracasso
e não por êxitos.
Folha - Mas Martin Amis é o "muso da autodepreciação", como escreveu o crítico Ron Rosenbaum?
Amis - Bem (risos). Ocasionalmente meus personagens passam
por ondas de aversão a si mesmos,
mas acho que encaro o fracasso de
um modo quase cômico.
Folha - Por que o sr. escolheu
uma mulher para o papel principal,
de detetive, já que o personagem
masculino é sempre central nos romances policiais?
Amis - Diria que não escolhi.
Aconteceu assim. No meu modo
de entender, o suicídio (tema central do livro) é uma mulher. Para
investigar uma suicida, foi inescapável que fosse outra mulher.
Folha - Mas Mike, a começar pelo
nome, é quase um homem. Fala, se
veste e se movimenta como tal.
Amis - Ela é o mais masculino
que uma mulher pode ser. Como
policial, convive com temas masculinos como violência e assassinato. Tentei inserir uma mulher
nesse meio. O resultado é que
comprometi a feminilidade dela.
Folha - O livro é repleto de referências a procedimentos técnicos
policiais, ao vocabulário das delegacias e aos hábitos dos investigadores. Como foi feita a pesquisa
para conseguir esses dados?
Amis - Eu não passei um ano com
o time de Homicídio, mas li livros
de muitos que fizeram isso. Não
gosto de fazer muita pesquisa. A
imaginação fica muito cheia, e não
consigo criar.
Folha - Quanto existe de "exercício literário consciente" em seu livro, para usar as palavras de uma
crítica do "The New York Times"?
Amis - Não penso que seja um
exercício. Não consigo acreditar
que alguém faça literatura como
um exercício. Estive envolvido
neste livro como sempre estou.
Folha - E no que está "envolvido"
hoje? O que está escrevendo?
Amis - Um livro de memórias sobre minha relação com meu pai, a
respeito do qual não gostaria de falar. Também escrevo uma novela.
Folha - Sobre o quê?
Amis - Sobre o que é sobreviver
hoje em dia. Esse é o tema de meus
livros. O hoje e o futuro próximo.
Folha - E existe algum plano de,
num futuro próximo, escrever algo
sobre a "Terceira Via" (expressão
que o premiê britânico, Tony Blair,
usa para designar a guinada rumo
ao centro da esquerda)?
Amis - Penso que é quase impossível escrever com esse tema. Poderia pensar em uma novela sobre
os padrões sociais modernos e
seus efeitos, mas não posso imaginar que algum escritor consiga
chegar a algum lugar com Blair e
sua turma. Não se trata mais de política, hoje só existe administração.
Folha - Ian McEwan, que é da
mesma geração de escritores britânicos que a sua, ganhou recentemente o importante Booker Prize.
Julian Barnes, que foi até seu colega de escola, era outro dos concorrentes. Seriam sinais de amadurecimento de seu grupo literário?
Amis - Penso que não somos um
grupo. Não temos tanto em comum. Não somos gângsteres.
Folha - Seu pai não era gângster,
mas tinha uma espécie de círculo
literário (os "Angry Young Men",
grupo inglês dos anos 50 de escritores e dramaturgos). Quem seriam os integrantes de seu círculo?
Amis - Salman Rushdie, talvez
Kazuo Ishiguro.
Folha - Consegue manter contato
com Rushdie (ainda escondido,
mesmo depois de o presidente do
Irã, Mohammad Khatami, ter declarado que o governo não executará a sentença de morte que o escritor recebeu em 1989)?
Amis - Sim, falei com ele dez minutos antes de lhe atender.
Folha - Ele está em Londres?
Amis - Não posso dizer. Ele está
sempre se mudando. Hoje em dia,
ele até tem alguma liberdade, mas
tem que continuar incógnito. Ele
ainda não está no último estágio.
Folha - O sr. tem algum plano de
vir ao Brasil?
Amis - Não sei. Penso em visitá-los na primavera (nosso outono).
Folha - Sabe algo sobre o país?
Amis - Acompanho a carreira de
Gustavo Kuerten, que ganhou o
Aberto da França (Amis joga tênis
e sempre escreve sobre o esporte).
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