São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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ARTES CÊNICAS

"O Diabo e o Bom Deus", peça que inicia temporada no teatro Sesc Anchieta, recebe direção de Eugênia Thereza de Andrade

Bem e mal povoam Sartre inédito no Brasil

PEDRO IVO DUBRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Deus não existe." A frase, tão cara ao filósofo, escritor e dramaturgo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-80), lapidar e com raras variações, está no espetáculo "O Diabo e o Bom Deus", que estréia hoje no teatro Sesc Anchieta, com direção da baiana radicada em São Paulo há quase quatro décadas Eugênia Thereza de Andrade, 62.
Sem notícia de encenação no Brasil, a obra, uma das principais criações do artista no campo do teatro político, foi escrita em 1951. Tem como pano de fundo a Alemanha renascentista e encampa a discussão das noções do bem e do mal. O texto recebeu adaptação de Luiz Carlos Maciel.
"A peça original tem três horas e meia. O Maciel não a "cortou", ele não gosta do termo. Ele coletou os trechos mais significativos e temos agora dois momentos de 50 minutos, com um intervalo de 15", afirma a diretora, que montou em 2001 "Nervos de Deus", inspirada na história do jurista alemão Daniel Paul Schreber, estudada por Freud a partir do relato autobiográfico "Memórias de um Doente dos Nervos".
Parceria entre o Sesc de São Paulo e o do Rio, "O Diabo e o Bom Deus" foi primeiro encenada no Espaço Sesc, em Copacabana, num palco em formato de arena. Em São Paulo, a montagem ocupa um tablado de conformação italiana, o que gera algumas mudanças na encenação, especialmente no que tange à cenografia empregada.

Inimigo de Deus
A peça tem como protagonista o personagem Goetz, um chefe militar que escolhe Deus como o seu único inimigo à altura. Primeiro, ele serve ao mal e quer massacrar a cidade de Worms. Depois, por influência de um frade, que o desafia, passa para o lado do bem e doa as suas terras para o povo. "É um personagem narcisístico, mas eu quis fugir da psicanálise na interpretação dele."
A peça disseca a guerra e revela o que está por trás dela: dinheiro e poder. "Queria ver se só houvesse, como na minha terra, mandacaru, no Iraque", diz Andrade, referindo-se ao petróleo que gera disputas no Oriente Médio.
A encenadora se impressionou com a atualidade do texto, que leu há mais de três décadas. Há alguns anos, reencontrou Luiz Carlos Maciel na posse do escritor João Ubaldo Ribeiro na Academia Brasileira de Letras. Num outro encontro, expôs a Maciel o seu desejo de montar a obra sartriana.
"Um ator me comprou um exemplar num sebo do Rio. Aí eu reli e vi a atualidade da peça. Eu só me lembrava que havia uma ironia crítica, uma virada do protagonista, mas agora tinha a coisa atual, da guerra."
Sua encenação se volta ao trabalho de ator. "A minha concepção respeita a palavra e não faz com que ela se disperse. É um texto de um dramaturgo que é filósofo. Eu queria fazer a peça com atores que dissessem bem o texto. Plasticamente, queria que o cenário manifestasse a minha intenção."
A cenografia, criada pela própria Eugênia Thereza de Andrade e por Ana Lídia Saggese, compreende uma cerca de arame farpado e andaimes.
Há ainda a escultura de um Cristo (a peça faz críticas à Igreja) assinada pelo artista plástico Emanoel Araújo. Os figurinos foram criados por Jefferson Miranda. Para encarnar os 17 personagens da montagem, oito atores foram escolhidos. Todos eles vivem dois ou três papéis, com exceção do intérprete de Goetz.
Eugênia Thereza de Andrade tem planos de escrever uma comédia. "Estava escrevendo o texto fazia uns quatro anos, parei e irei retomá-lo. Com um humor refinado, com uma crítica à vida como a vivemos." Ela não sabe ainda se assumirá a direção ou se transferirá a incumbência a outrem. "Tenho vontade de remontar Federico García Lorca [a diretora já dirigiu "A Casa de Bernarda Alba'] também. E há "Hamlet", que me persegue."
Da capital, "O Diabo e o Bom Deus" parte para uma temporada pelo interior do Estado. Depois, faz uma excursão por cidades do Rio de Janeiro.


O DIABO E O BOM DEUS. Texto: Jean-Paul Sartre. Direção: Eugênia Thereza de Andrade. Com: Almir Martins, Maíra de Andrade, Maurício Souza Lima, Marcelo Mello, Jorge Luis Alves, José de Brito, Carlos Alberto Escher e Caio Zaccariotto. Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, SP, tel. 0/ xx/11/3234-3000). Quando: estréia hoje, às 21h; sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 29/2. 100 min. 12 anos. Quanto: de R$ 5 a R$ 10.


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