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ARTES CÊNICAS
"O Diabo e o Bom Deus", peça que inicia temporada no teatro Sesc Anchieta, recebe direção de Eugênia Thereza de Andrade
Bem e mal povoam Sartre inédito no Brasil
PEDRO IVO DUBRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Deus não existe." A frase, tão
cara ao filósofo, escritor e dramaturgo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-80), lapidar e
com raras variações, está no espetáculo "O Diabo e o Bom Deus",
que estréia hoje no teatro Sesc Anchieta, com direção da baiana radicada em São Paulo há quase
quatro décadas Eugênia Thereza
de Andrade, 62.
Sem notícia de encenação no
Brasil, a obra, uma das principais
criações do artista no campo do
teatro político, foi escrita em 1951.
Tem como pano de fundo a Alemanha renascentista e encampa a
discussão das noções do bem e do
mal. O texto recebeu adaptação
de Luiz Carlos Maciel.
"A peça original tem três horas e
meia. O Maciel não a "cortou", ele
não gosta do termo. Ele coletou os
trechos mais significativos e temos agora dois momentos de 50
minutos, com um intervalo de
15", afirma a diretora, que montou em 2001 "Nervos de Deus",
inspirada na história do jurista
alemão Daniel Paul Schreber, estudada por Freud a partir do relato autobiográfico "Memórias de
um Doente dos Nervos".
Parceria entre o Sesc de São
Paulo e o do Rio, "O Diabo e o
Bom Deus" foi primeiro encenada no Espaço Sesc, em Copacabana, num palco em formato de arena. Em São Paulo, a montagem
ocupa um tablado de conformação italiana, o que gera algumas
mudanças na encenação, especialmente no que tange à cenografia empregada.
Inimigo de Deus
A peça tem como protagonista o
personagem Goetz, um chefe militar que escolhe Deus como o seu
único inimigo à altura. Primeiro,
ele serve ao mal e quer massacrar
a cidade de Worms. Depois, por
influência de um frade, que o desafia, passa para o lado do bem e
doa as suas terras para o povo. "É
um personagem narcisístico, mas
eu quis fugir da psicanálise na interpretação dele."
A peça disseca a guerra e revela
o que está por trás dela: dinheiro e
poder. "Queria ver se só houvesse,
como na minha terra, mandacaru, no Iraque", diz Andrade, referindo-se ao petróleo que gera disputas no Oriente Médio.
A encenadora se impressionou
com a atualidade do texto, que leu
há mais de três décadas. Há alguns anos, reencontrou Luiz Carlos Maciel na posse do escritor
João Ubaldo Ribeiro na Academia Brasileira de Letras. Num outro encontro, expôs a Maciel o seu
desejo de montar a obra sartriana.
"Um ator me comprou um
exemplar num sebo do Rio. Aí eu
reli e vi a atualidade da peça. Eu só
me lembrava que havia uma ironia crítica, uma virada do protagonista, mas agora tinha a coisa
atual, da guerra."
Sua encenação se volta ao trabalho de ator. "A minha concepção
respeita a palavra e não faz com
que ela se disperse. É um texto de
um dramaturgo que é filósofo. Eu
queria fazer a peça com atores que
dissessem bem o texto. Plasticamente, queria que o cenário manifestasse a minha intenção."
A cenografia, criada pela própria Eugênia Thereza de Andrade
e por Ana Lídia Saggese, compreende uma cerca de arame farpado e andaimes.
Há ainda a escultura de um
Cristo (a peça faz críticas à Igreja)
assinada pelo artista plástico
Emanoel Araújo. Os figurinos foram criados por Jefferson Miranda. Para encarnar os 17 personagens da montagem, oito atores foram escolhidos. Todos eles vivem
dois ou três papéis, com exceção
do intérprete de Goetz.
Eugênia Thereza de Andrade
tem planos de escrever uma comédia. "Estava escrevendo o texto
fazia uns quatro anos, parei e irei
retomá-lo. Com um humor refinado, com uma crítica à vida como a vivemos." Ela não sabe ainda se assumirá a direção ou se
transferirá a incumbência a outrem. "Tenho vontade de remontar Federico García Lorca [a diretora já dirigiu "A Casa de Bernarda Alba'] também. E há "Hamlet",
que me persegue."
Da capital, "O Diabo e o Bom
Deus" parte para uma temporada
pelo interior do Estado. Depois,
faz uma excursão por cidades do
Rio de Janeiro.
O DIABO E O BOM DEUS. Texto: Jean-Paul Sartre. Direção: Eugênia Thereza de
Andrade. Com: Almir Martins, Maíra de
Andrade, Maurício Souza Lima, Marcelo
Mello, Jorge Luis Alves, José de Brito,
Carlos Alberto Escher e Caio Zaccariotto.
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc
Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila
Buarque, SP, tel. 0/ xx/11/3234-3000).
Quando: estréia hoje, às 21h; sex. e sáb.,
às 21h, e dom., às 19h; até 29/2. 100 min.
12 anos. Quanto: de R$ 5 a R$ 10.
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