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FERREIRA GULLAR
Risco de vida
Jorge então explicou que nenhuma empresa de seguro-saúde tem plano para gente de sua idade
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SEM QUERER dar uma de esquerdista -uma vez que meus cabelos já estão mais brancos que
os de Lula- devo admitir que, na sociedade capitalista (capitalista, no
bom sentido), salvar a vida de alguém tem preço.
De graça, nem pensar. É verdade
que, uma vez ou outra, alguém, sem
nada a ganhar, arrisca a própria vida
para salvar a de outro, como fez um
sujeito, meses atrás, aqui no Rio,
mergulhando no canal do Mangue,
por mera solidariedade.
Uma atitude claramente anti-capitalista, que, por isso mesmo, nos
deixa todos surpresos e consolados.
Nem tudo está perdido, disse meu
amigo Jorge a si mesmo antes de verificar o boleto do plano de saúde
que acabara de chegar.
Ao abri-lo, levou um susto: aumentara de novo! Fez os cálculos:
um aumento de R$ 340 em apenas
um ano. Jorge tem 72 anos de idade,
mas é saudável. Só usa o plano de
saúde para o check-up anual. Mais
de R$ 1.760 por mês era demais; melhor seria pôr esse dinheiro na poupança e usá-lo quando adoecesse,
pensou consigo.
-Não vou pagar isso, decidiu, e jogou o boleto na cesta de lixo.
Uma semana depois, um parente
seu adoeceu e, sem plano de saúde,
rodou de hospital em hospital, mesmo tendo dinheiro para pagar o tratamento, e quase morreu. Jorge
voltou correndo para o seu plano
de saúde.
Todo mundo tem medo de ter que
recorrer ao SUS, enfrentar filas intermináveis, atravessar a noite esperando para no fim não ser atendido,
porque o aparelho de raio-X está
quebrado ou o médico faltou ao trabalho. Fátima, sua empregada, teve
que passar por esse suplício e, por
essa razão, Jorge decidiu pagar um
plano de saúde para ela e o marido,
desempregado há vários anos.
E veja: já pagara havia quase um
ano quando ele precisou de um oculista, e não conseguiu. Nenhum médico conveniado com o tal plano
atendia os clientes, porque o plano
não os pagava havia vários meses.
Jorge pagou de seu bolso um médico
para atendê-lo. Felizmente, tudo o
que tinha na vista era um estigmatismo. E se tivesse de operar?
Esses problemas se tornaram
preocupação constante de Jorge.
Fátima, de vez em quando, sente dores de cabeça, que ela alivia com aspirina, mas, de repente, a dor é tamanha que não pode se levantar da
cama. Jorge ligou para o corretor
que lhe vendera o plano fajuto e lhe
perguntou que novo plano poderia
contratar para a empregada. Escolheram um, mas ela teria que esperar um mês para fazer a primeira
consulta.
Cumprido o prazo, ela telefonou: o
primeiro médico contatado só poderia atendê-la dali a três meses; o segundo, dali a dois meses; o quarto,
dentro de 45 dias. E se fosse uma
doença grave, que exigisse tratamento imediato?
Bem, pensou ele, para tranqüilizar-se, em caso de urgência iria a um
dos hospitais ou pronto-socorros
conveniados. Passado o susto com o
caso de Fátima, que terminou sendo
atendida, voltou a considerar o seu
próprio caso, já que a mensalidade
do plano vem subindo incessantemente. Poderia chegar a um ponto
em que teria como pagar a mensalidade, já próxima de R$ 2.000.
-Se fosse você, procuraria um
plano mais barato, aconselhou-o um
amigo.
-E existe plano mais barato para
um sujeito com mais de 70 anos como eu?
-Deve existir.
Jorge então lhe explicou que nenhuma das empresas de seguro-saúde tem mais plano para gente de sua
idade. O único plano que aceita idosos é esse -e por isso cobra tão caro.
E você ou paga, ou se arrisca a morrer na fila do SUS.
-Você dá sorte de ainda ter como
pagar, e quem não tem?
-Só que não sei até quando vou
agüentar.
-Quem sabe, você morre logo e
acaba o problema.
-Vira essa boca pra lá!
Só que a notícia pior estava por vir.
Num papo com uma amiga soube
que ela fora operada pelo seu plano
de saúde, num dos melhores hospitais do Rio.
-Mas não foi fácil, disse ela, se
não fosse um amigo influente, não
seria atendida. Alegaram que não
havia médico disponível e que a fila
de segurados era grande.
-Quer dizer que, mesmo pagando
plano de saúde, precisa de pistolão?!
-Ou morre na fila.
-Então está igual ao SUS?!
-Para você ver!
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