São Paulo, Sábado, 22 de Maio de 1999
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MÚSICA
"Calendário" enterra a fase tecno de "Liga Lá"
Lulu faz o caminho de volta ao pop

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Após quase uma década dedicada a experiências de camaleão, Lulu Santos, 46, mergulha de volta no pop básico, de cabeça. "Calendário", o novo disco, abandona todos os excessos anteriores -de rock, de dance, de funk, de tecno-, em rumo de volta ao que ele chama "a bolha".
Lá vai ele explicar "a bolha": "Música pop não tem lado intelectual. Se acontece, significa que você trocou de caminho. Pop é necessariamente ingênuo. Veja a turnê "PopMart", do U2, aquela tentativa de mostrar o lado de trás do cartaz. Era só exagero. Pop é uma bolha, não tem lado de dentro. Como bolha, é efêmero, faz "pop'".
O complemento é imediato: "Não significa que precise ser imbecilizante. Faço a depuração do que é o pop".
Para fazê-lo, chamou para produzir "Calendário" o "midas" do pop nacional, Liminha, ex-integrante dos Mutantes, de êxitos inúmeros no pop/rock nacional dos 80 e minas de ouro mais recentes, como o "Acústico" dos Titãs.
Parece inegável, então, que "Calendário" signifique para Lulu novo lance obstinado por alcançar o grande sucesso -bem para além de "Liga Lá", o "tecnizado" CD anterior, que vendeu, segundo ele, 170 mil cópias.
"Isso é verdade, sem dúvida. Querer sempre o sucesso popular está no meu DNA, no meu código genético. Este é um disco 300 vezes mais potente e honesto que qualquer dos meus álbuns pop dos anos 80. Eu era completamente titubeante, não sou mais. Sou melhor compositor, técnico e carpinteiro", afirma. "Hoje, não tento nem me reeditar nem ser diferente como em "Liga Lá". "Honolulu" (90), uma tentativa de parecer ingênuo, era fake, eu me achando um meta-Lulu Santos."
Isso tudo significa que nos experimentos funk ("Anti Ciclone Tropical", 96) e tecno ("Liga Lá", 97) tenha havido algum desvio de sua rota pop? ""Liga Lá" tem todas as marcas do produto cultural popular, mas, no Brasil, "no fucking way". É o país de Milionário e Zé Rico, um produto tecnóide como aquele pode ser bom para mim, mas fica esquisito, peculiar."
Mas a volta incondicional ao objeto pop conciso e comercial não é um passo de ré? "Para abdicar de estar passo a passo com a contemporaneidade, é preciso certa ousadia, mas não quero mais advogar para mim ousadia a esta altura da minha vida. Ousadia é ficar na sua idade, na sua seara. A angústia é libidinosa, claro. Mas a libido pode ser destrutiva também. A próxima ousadia é o convencional. Quer mais futuro que 2000? É agora."
Curva-se, hoje, às críticas vindas, na época de "Liga Lá", dos mais próximos ao tecno: "O disco tem sinceridade e angústia, mas talvez fosse mesmo a necessidade de ser mais realista que o rei, mais moderno que a modernidade. Me desinteressei por essa história de tecno".

Os pratos em que comeu
Não está cuspindo no próprio prato, diz: "Foi gostoso trabalhar no "Liga Lá", não o rejeito de forma alguma. Mas há um custo grande em fazer isso, ficar correndo atrás da contemporaneidade".
No que diz respeito ao experimento black que o antecedeu: ""Anti Ciclone Tropical" era ruim, fraco, forçado para parecer "arembi", r&b (rhythm'n'blues) brasileiro. Soube disso assim que acabei. O novo disco é muito mais soul, é mulato -e é naturalmente, não é forçado".
"Cada disco quer corrigir o anterior", define -tanto é que depois de "Liga Lá" veio o show de rock'n'roll com o trio Jakaré (já dissolvido), que se tornaria disco ao vivo e acabou abortado.
"Aquilo era a entrada no meu próprio inferno, um rito de passagem em que eu me jogasse no fogo. Era o mesmo tipo de desenvolvimento que a neurose causa, a incapacidade de andar para a frente faz regredir ao berço -o rock é meu berço. Era ruim, bunda, pequeno. Ninguém que estava em volta de mim trabalha comigo agora, em "Calendário"."
Rejeitou, então, a possibilidade de publicar o material. "Até tenho vontade de executar aquilo, mas não assim. É muito difícil visitar o inferno e querer guardar cartão-postal. Tem muita infelicidade naquele momento. Não quis admitir na época, mas era mesmo uma instância contrária a tudo o que estava acontecendo no pop. Eu precisava me enxaguar num Omo para tirar o excesso de mico, dar uma "despulgada". Agora tudo é maravilhoso."
Bem, pelo visto, é de esperar que só daqui a um ano Lulu comece a enxergar defeitos no novo CD?
"Não por acaso, dois meses depois do Jakaré comecei a compor com uma facilidade que não tinha desde 1988. "Calendário" é mais de pavimentação que de sustentação. Acho muito, muito, muito o que eu queria fazer, para a própria idéia de pop nacional. Essas canções são das melhores que fiz em toda a minha vida. É polidíssimo, talvez até em excesso." O rádio e a TV dirão.


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