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MÚSICA
"Calendário" enterra a fase tecno de "Liga Lá"
Lulu faz o caminho de volta ao pop
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Após quase uma década dedicada a experiências de camaleão, Lulu Santos, 46, mergulha de volta no
pop básico, de cabeça. "Calendário", o novo disco, abandona todos
os excessos anteriores -de rock,
de dance, de funk, de tecno-, em
rumo de volta ao que ele chama "a
bolha".
Lá vai ele explicar "a bolha":
"Música pop não tem lado intelectual. Se acontece, significa que você trocou de caminho. Pop é necessariamente ingênuo. Veja a turnê
"PopMart", do U2, aquela tentativa
de mostrar o lado de trás do cartaz.
Era só exagero. Pop é uma bolha,
não tem lado de dentro. Como bolha, é efêmero, faz "pop'".
O complemento é imediato:
"Não significa que precise ser imbecilizante. Faço a depuração do
que é o pop".
Para fazê-lo, chamou para produzir "Calendário" o "midas" do
pop nacional, Liminha, ex-integrante dos Mutantes, de êxitos inúmeros no pop/rock nacional dos
80 e minas de ouro mais recentes,
como o "Acústico" dos Titãs.
Parece inegável, então, que "Calendário" signifique para Lulu novo lance obstinado por alcançar o
grande sucesso -bem para além
de "Liga Lá", o "tecnizado" CD anterior, que vendeu, segundo ele,
170 mil cópias.
"Isso é verdade, sem dúvida.
Querer sempre o sucesso popular
está no meu DNA, no meu código
genético. Este é um disco 300 vezes
mais potente e honesto que qualquer dos meus álbuns pop dos
anos 80. Eu era completamente titubeante, não sou mais. Sou melhor compositor, técnico e carpinteiro", afirma. "Hoje, não tento
nem me reeditar nem ser diferente
como em "Liga Lá". "Honolulu"
(90), uma tentativa de parecer ingênuo, era fake, eu me achando um
meta-Lulu Santos."
Isso tudo significa que nos experimentos funk ("Anti Ciclone Tropical", 96) e tecno ("Liga Lá", 97)
tenha havido algum desvio de sua
rota pop? ""Liga Lá" tem todas as
marcas do produto cultural popular, mas, no Brasil, "no fucking
way". É o país de Milionário e Zé
Rico, um produto tecnóide como
aquele pode ser bom para mim,
mas fica esquisito, peculiar."
Mas a volta incondicional ao objeto pop conciso e comercial não é
um passo de ré? "Para abdicar de
estar passo a passo com a contemporaneidade, é preciso certa ousadia, mas não quero mais advogar
para mim ousadia a esta altura da
minha vida. Ousadia é ficar na sua
idade, na sua seara. A angústia é libidinosa, claro. Mas a libido pode
ser destrutiva também. A próxima
ousadia é o convencional. Quer
mais futuro que 2000? É agora."
Curva-se, hoje, às críticas vindas,
na época de "Liga Lá", dos mais
próximos ao tecno: "O disco tem
sinceridade e angústia, mas talvez
fosse mesmo a necessidade de ser
mais realista que o rei, mais moderno que a modernidade. Me desinteressei por essa história de tecno".
Os pratos em que comeu
Não está cuspindo no próprio
prato, diz: "Foi gostoso trabalhar
no "Liga Lá", não o rejeito de forma
alguma. Mas há um custo grande
em fazer isso, ficar correndo atrás
da contemporaneidade".
No que diz respeito ao experimento black que o antecedeu:
""Anti Ciclone Tropical" era ruim,
fraco, forçado para parecer "arembi", r&b (rhythm'n'blues) brasileiro. Soube disso assim que acabei. O
novo disco é muito mais soul, é
mulato -e é naturalmente, não é
forçado".
"Cada disco quer corrigir o anterior", define -tanto é que depois
de "Liga Lá" veio o show de
rock'n'roll com o trio Jakaré (já
dissolvido), que se tornaria disco
ao vivo e acabou abortado.
"Aquilo era a entrada no meu
próprio inferno, um rito de passagem em que eu me jogasse no fogo.
Era o mesmo tipo de desenvolvimento que a neurose causa, a incapacidade de andar para a frente faz
regredir ao berço -o rock é meu
berço. Era ruim, bunda, pequeno.
Ninguém que estava em volta de
mim trabalha comigo agora, em
"Calendário"."
Rejeitou, então, a possibilidade
de publicar o material. "Até tenho
vontade de executar aquilo, mas
não assim. É muito difícil visitar o
inferno e querer guardar cartão-postal. Tem muita infelicidade naquele momento. Não quis admitir
na época, mas era mesmo uma instância contrária a tudo o que estava acontecendo no pop. Eu precisava me enxaguar num Omo para
tirar o excesso de mico, dar uma
"despulgada". Agora tudo é maravilhoso."
Bem, pelo visto, é de esperar que
só daqui a um ano Lulu comece a
enxergar defeitos no novo CD?
"Não por acaso, dois meses depois do Jakaré comecei a compor
com uma facilidade que não tinha
desde 1988. "Calendário" é mais de
pavimentação que de sustentação.
Acho muito, muito, muito o que eu
queria fazer, para a própria idéia
de pop nacional. Essas canções são
das melhores que fiz em toda a minha vida. É polidíssimo, talvez até
em excesso." O rádio e a TV dirão.
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