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Onde o
revólver é
a lei
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ferréz, 24, filho de um
motorista de ônibus da Sabesp, é um autor direto, que
despeja suas imagens, lembranças e invenções com a
força de sua indignação.
A violência está extremamente banalizada. Da ponta
de seus dedos, fluem muitas
das explicações para a desgraça brasileira.
Capão Redondo, bairro da
zona sul de São Paulo, uma
das regiões mais violentas do
país, pede socorro. Mas para
quem?
O dono do tráfico local é
ex-policial, e é em seu bar
que policiais civis vendem
armas para a molecada, numa terra em que dívida se
cobra matando e o revólver é
a lei.
Assim é "Capão Pecado",
um retrato do lado "sem lei"
da grande cidade, em que as
pessoas querem trabalhar,
amar, dançar, nadar no lago,
ouvir um som, jogar games,
bater uma bola e temem
acordar no dia seguinte com
uma ou mais balas alojadas
no corpo.
Ferréz, que começou com
um livro de poesias, "Fortaleza da Desilusão", patrocinado por uma empresa em
que trabalhou, usou de um
hábil recurso para cadenciar
sua história.
O narrador Rael (nome do
irmão caçula do autor) conhece os piores bandidos da
área, conviveu desde a infância com a criminalidade, testemunha a morte de muitos
colegas, chora por eles, diante de cadáveres que amanhecem nas ruelas, mas anda na
linha, tem um emprego honesto e uma mãe dedicada,
apesar do pai alcoólatra.
Uma das imagens mais
fortes do livro é a do pai, desmaiado no chão da cozinha,
sujo de lama e babando, e a
naturalidade com que o filho-narrador passa por ele.
Rael se mete numa encrenca brava ao se apaixonar pela
namorada do melhor amigo
e, posteriormente, viver um
romance com ela.
O amigo é um malandro
mulherengo, que não quer
nada com nada e está sempre dormindo durante o dia.
Rael tem destino traçado,
porque a regra número um
da favela é: "Nunca cante a
mina de um aliado, senão vai
subir (vai ser morto)".
Em torno desse eixo, ocorre a brutalidade. Como a do
garoto que mata o irmão
HIV positivo e a sequência
de homicídios, cometidos
por Burgos, a vida arrancada
por causa de R$ 5, a tortura,
a doença da mãe do narrador, o pai que vai preso injustamente e não pode ajudar a salvar a vida de seus
dois filhos, mortos pelo tráfico, os disparos que não deixam ninguém dormir, o frio
que entra em casas sem laje,
o colega que pega uma lata
do chão, sinal de que o mano
iria fumar pedra (crack) e os
velórios no cemitério São
Luís.
A linguagem é a do gueto:
"endolar um esquema", "tudo a pampa", "freio de rota".
O cenário é real. A maioria
dos personagens, também.
É um livro que causa espanto. Especialmente porque está tudo ali, atravessando a ponte João Dias.
(MRP)
Capão Pecado
Autor: Ferréz
Lançamento: Labortexto
Editorial
Quanto: R$ 20 (178 págs.)
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