São Paulo, sábado, 22 de julho de 2000


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Onde o revólver é a lei

ESPECIAL PARA A FOLHA

Ferréz, 24, filho de um motorista de ônibus da Sabesp, é um autor direto, que despeja suas imagens, lembranças e invenções com a força de sua indignação.
A violência está extremamente banalizada. Da ponta de seus dedos, fluem muitas das explicações para a desgraça brasileira.
Capão Redondo, bairro da zona sul de São Paulo, uma das regiões mais violentas do país, pede socorro. Mas para quem?
O dono do tráfico local é ex-policial, e é em seu bar que policiais civis vendem armas para a molecada, numa terra em que dívida se cobra matando e o revólver é a lei.
Assim é "Capão Pecado", um retrato do lado "sem lei" da grande cidade, em que as pessoas querem trabalhar, amar, dançar, nadar no lago, ouvir um som, jogar games, bater uma bola e temem acordar no dia seguinte com uma ou mais balas alojadas no corpo.
Ferréz, que começou com um livro de poesias, "Fortaleza da Desilusão", patrocinado por uma empresa em que trabalhou, usou de um hábil recurso para cadenciar sua história.
O narrador Rael (nome do irmão caçula do autor) conhece os piores bandidos da área, conviveu desde a infância com a criminalidade, testemunha a morte de muitos colegas, chora por eles, diante de cadáveres que amanhecem nas ruelas, mas anda na linha, tem um emprego honesto e uma mãe dedicada, apesar do pai alcoólatra.
Uma das imagens mais fortes do livro é a do pai, desmaiado no chão da cozinha, sujo de lama e babando, e a naturalidade com que o filho-narrador passa por ele.
Rael se mete numa encrenca brava ao se apaixonar pela namorada do melhor amigo e, posteriormente, viver um romance com ela.
O amigo é um malandro mulherengo, que não quer nada com nada e está sempre dormindo durante o dia.
Rael tem destino traçado, porque a regra número um da favela é: "Nunca cante a mina de um aliado, senão vai subir (vai ser morto)".
Em torno desse eixo, ocorre a brutalidade. Como a do garoto que mata o irmão HIV positivo e a sequência de homicídios, cometidos por Burgos, a vida arrancada por causa de R$ 5, a tortura, a doença da mãe do narrador, o pai que vai preso injustamente e não pode ajudar a salvar a vida de seus dois filhos, mortos pelo tráfico, os disparos que não deixam ninguém dormir, o frio que entra em casas sem laje, o colega que pega uma lata do chão, sinal de que o mano iria fumar pedra (crack) e os velórios no cemitério São Luís.
A linguagem é a do gueto: "endolar um esquema", "tudo a pampa", "freio de rota". O cenário é real. A maioria dos personagens, também.
É um livro que causa espanto. Especialmente porque está tudo ali, atravessando a ponte João Dias.
(MRP)



Capão Pecado     Autor: Ferréz Lançamento: Labortexto Editorial Quanto: R$ 20 (178 págs.)



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