|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Cineasta usa ácido para derreter sonhos e chocolates de Willy Wonka
CRÍTICO DA FOLHA
Ver e comparar as duas
versões de "A Fantástica Fábrica de Chocolate" pode ser uma
lição de cinema preciosa.
Os elementos básicos do filme
de 1971, dirigido por Mel Stuart,
são mais ou menos os mesmos
dos de 2005, dirigido por Tim
Burton. Ele acrescenta flashbacks
à história de Willy Wonka, o fabuloso fabricante de doces, que não
estavam na primeira versão. O aspecto referente à pobreza de
Charlie e os sofrimentos decorrentes dela são mais marcantes no
filme de 1971 do que no de agora.
Passemos pelos efeitos especiais, por todos os motivos muito
mais sofisticados na nova versão.
Não é isso o que importa. Na versão de Stuart, a peça mais importante é o roteiro. Escrito pessoalmente por Roald Dahl, ele traz um
conteúdo crítico forte que o filme
nada mais faz do que ilustrar. É
como se as imagens permanecessem exteriores, no entanto, a esse
lado crítico tão marcante no texto.
Na versão de 2005, o aspecto
ácido -a observação cruel de
certos usos e costumes que marcam a vida de pais e filhos na cultura contemporânea- espraia-se
por cada ponto da tela. Ele está,
por exemplo, naqueles bonecos
da primeira música, lindos, que
começam a pegar fogo e a se desfigurar: ali está, prefigurada, a
enorme frustração que será a visita à fábrica para quase todas as
crianças. Willy Wonka aparece e
aplaude a destruição cruel desse
mundo encantador.
A primeira versão é muito colorida, e a segunda também. Em
ambos, aliás, a primeira visão da
fábrica -com seu jardim encantado e cachoeira de chocolate- é
quase idêntica. Mas existe algo
ácido, não só nas cores em que
Burton carrega, como em certas
ações. Assim é o momento em
que o gordo Augustus se põe a comer a grama do local: é quando
Burton parece incorporar Buñuel.
No essencial, o primeiro filme,
de 1971, diz respeito à arte do roteiro, enquanto o de 2005 diz respeito à arte da direção, ou da mise-en-scène, esta última definida
como concepção e execução de
um espetáculo por seu autor.
(INÁCIO ARAUJO)
A Fantástica Fábrica de Chocolate
Charlie and the Chocolate Factory
Direção: Tim Burton
Produção: EUA/Reino Unido, 2005
Com: Johnny Depp, Freddie Highmore
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô Tatuapé, Morumbi e circuito
Texto Anterior: Cinema/Estréias: "O mundo infantil pode ser sombrio", afirma Tim Burton Próximo Texto: "Terra dos Mortos" recupera Romero Índice
|