São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Análise

Neofolk atualiza valores da contracultura

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Tal como a Terra, que impõe a cada dia um novo dia, o pop também sobrevive à custa da crença no eterno retorno. Se o início do século viu a emergência de uma nova cena rock catapultada pelo furacão Strokes, o meio da década já inventou outros heróis. No lugar dos terninhos justos pretos que cantam a visão cinzenta de frustrações urbanas chegam as batas, os cabelos longos e o visual de barbudos bíblicos proclamando elegias à natureza e à vida simples carregada de melancolia solar.
Musicalmente, os novos heróis impuseram a nudez acústica, arranjos e bases harmônicas extraídas do folk, do blues e do soul e brumas psicodélicas respiradas em discos dos anos 60 e 70, tudo retomado dentro de um experimentalismo permitido pela era eletrônica.
Como uma espécie de messias, Devendra Banhart ocupa visual, poética e musicalmente a frente dessa cena reunida sob a alcunha neofolk.
Outros preferem chamá-la de "freak folk", destacando nela um conjunto de valores herdados da contracultura retemperados com atitudes e preocupações deste século: retorno à natureza, modos de vida comunitários, culto a alucinógenos e interesse em justiça social como antídotos à homogeneização dos indivíduos, ao materialismo galopante e à monocultura do consumismo.
O burburinho provocado desde 2004 com os primeiros álbuns do prolífico Banhart começou a se espalhar através da mídia independente e logo alcançou o mainstream, a ponto de o "New York Times" publicar um perfil mais que elogioso da cena em uma edição em junho sob uma manchete solar: "Summer of love redux".
Nesta cena os nomes proliferam feito cogumelos. Depois de Banhart vieram CocoRosie, Joanna Newsom, Animal Collective, Six Organs of Admittance, Micah P. Hinson, Willy Mason, Feathers e Espers. O tsunami atravessou o Atlântico e trouxe à tona Gravenhurst, Adem e Spleen. Como efeito paralelo, chamou a atenção para o trabalho de formiga de Sufjan Stevens e, por conexão comunitária (mais que musical), revelou o soul transgênero de Antony & The Johnsons e seu genial "I Am a Bird Now".
O rebento mais recente é Zach Condon, 20, que mergulhou em territórios balcânicos e de lá trouxe o folk cigano para dar singularidade ao Beirut, seu projeto com o qual produziu o insólito "Gulag Orkestar".
Com esse eterno retorno, o pop está sendo mais uma vez salvo por uma geração de jovens muito jovens que enxergam o mundo de uma maneira que as gerações passadas diluíram sob o efeito do cinismo. Mais uma vez eles não pretendem salvar o mundo, só viver seu instante de inocência.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Radiohead domina maratona de shows
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.