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Análise
Neofolk atualiza valores da contracultura
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Tal como a Terra, que
impõe a cada dia um
novo dia, o pop também
sobrevive à custa da crença no
eterno retorno. Se o início do
século viu a emergência de uma
nova cena rock catapultada pelo furacão Strokes, o meio da
década já inventou outros heróis. No lugar dos terninhos
justos pretos que cantam a visão cinzenta de frustrações urbanas chegam as batas, os cabelos longos e o visual de barbudos bíblicos proclamando elegias à natureza e à vida simples
carregada de melancolia solar.
Musicalmente, os novos heróis impuseram a nudez acústica, arranjos e bases harmônicas
extraídas do folk, do blues e do
soul e brumas psicodélicas respiradas em discos dos anos 60 e
70, tudo retomado dentro de
um experimentalismo permitido pela era eletrônica.
Como uma espécie de messias, Devendra Banhart ocupa
visual, poética e musicalmente
a frente dessa cena reunida sob
a alcunha neofolk.
Outros preferem chamá-la
de "freak folk", destacando nela
um conjunto de valores herdados da contracultura retemperados com atitudes e preocupações deste século: retorno à natureza, modos de vida comunitários, culto a alucinógenos e
interesse em justiça social como antídotos à homogeneização dos indivíduos, ao materialismo galopante e à monocultura do consumismo.
O burburinho provocado
desde 2004 com os primeiros
álbuns do prolífico Banhart começou a se espalhar através da
mídia independente e logo alcançou o mainstream, a ponto
de o "New York Times" publicar um perfil mais que elogioso
da cena em uma edição em junho sob uma manchete solar:
"Summer of love redux".
Nesta cena os nomes proliferam feito cogumelos. Depois de
Banhart vieram CocoRosie,
Joanna Newsom, Animal Collective, Six Organs of Admittance, Micah P. Hinson, Willy
Mason, Feathers e Espers. O
tsunami atravessou o Atlântico
e trouxe à tona Gravenhurst,
Adem e Spleen. Como efeito
paralelo, chamou a atenção para o trabalho de formiga de Sufjan Stevens e, por conexão comunitária (mais que musical),
revelou o soul transgênero de
Antony & The Johnsons e seu
genial "I Am a Bird Now".
O rebento mais recente é
Zach Condon, 20, que mergulhou em territórios balcânicos
e de lá trouxe o folk cigano para
dar singularidade ao Beirut, seu
projeto com o qual produziu o
insólito "Gulag Orkestar".
Com esse eterno retorno, o
pop está sendo mais uma vez
salvo por uma geração de jovens muito jovens que enxergam o mundo de uma maneira
que as gerações passadas diluíram sob o efeito do cinismo.
Mais uma vez eles não pretendem salvar o mundo, só viver
seu instante de inocência.
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