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ANÁLISE
"Cidade dos Homens" extrapola o morro
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estava programado para ir
ao ar ontem "Dois para Brasília", o segundo episódio da atual
temporada da série "Cidade dos
Homens" (Globo).
Três anos depois de "Palace II"
-o curta-metragem que funcionou como piloto da série e preparação do longa "Cidade de
Deus"-, os novos episódios sugerem que o programa mantém
um raro pioneirismo, a um só
tempo de forma, conteúdo e estrutura de produção.
"Cidade dos Homens" é feita
pela produtora independente O2,
em parceria inédita com a Rede
Globo. Na série, os heróis Acelora
(Douglas Silva) e Laranjinha
(Darlan Cunha), dois meninos
negros, narram aventuras de seu
cotidiano de moradores do morro, para o amplo público de TV.
Talvez em resposta a críticas geradas pelo filme, o universo dramático dos personagens do seriado se diversifica. O estilo ágil permanece. Quatro dos cinco episódios que compõem a temporada
de 2003 tratam de assuntos que
extrapolam o tráfico e a violência
no morro. Três deles abordam relações inter-raciais e interclasses
com locações na zona sul carioca
e em Brasília.
"Sábado", o programa de Fernando Meirelles que abriu a temporada, se passa na favela. Mas
longe das balas, apresenta desventuras amorosas dos heróis
pré-adolescentes em um baile
funk. O tom etnográfico, em ritmo de clipe, descreve, para quem
não conhece, a balada preferida
da moçada.
"Dois para Brasília", de César
Charlone, mantém a linha bem
sucedida da parceria com Jorge
Furtado. O episódio lida com a situação precária de presos. A busca da solidariedade do presidente
Lula justifica a ida dos personagens à capital federal.
A história é recheada de flashbacks que preenchem a longa viagem de ônibus (um avião talvez
poupasse o recurso). O forte está
na improvisação da dupla, cada
vez melhor, de atores em processo
de formação.
O episódio brinca ainda com o
vídeo, mostrando a falta de jeito
de Laranjinha para a função de cinegrafista. Não faltam imagens
descentradas e quadros vazios, típicos do amadorismo. E, como se
viu, a falha técnica pode ser fatal
para o registro documental.
A julgar pela audiência média
de 35 pontos obtida pelo primeiro
episódio, em contraste com os 23
de "Carga Pesada", o público
aprova a novidade que não precisaria ir ao ar tão tarde, nem em
doses tão reduzidas.
A novela das oito descreve o repertório fútil de pessoas dispostas
a armar qualquer barraco para
penetrar a arena da fama. "Cidade
dos Homens" revela um pouco do
universo popular dos morros cariocas interpretado por dois garotos que, esses sim, encontraram,
ao menos por hora, no ofício de
ator, uma via de inclusão. Não
perca os próximos episódios.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
CIDADE DOS HOMENS. Quando: terça,
às 22h35, na Globo.
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