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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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ANÁLISE

"Cidade dos Homens" extrapola o morro

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estava programado para ir ao ar ontem "Dois para Brasília", o segundo episódio da atual temporada da série "Cidade dos Homens" (Globo).
Três anos depois de "Palace II" -o curta-metragem que funcionou como piloto da série e preparação do longa "Cidade de Deus"-, os novos episódios sugerem que o programa mantém um raro pioneirismo, a um só tempo de forma, conteúdo e estrutura de produção.
"Cidade dos Homens" é feita pela produtora independente O2, em parceria inédita com a Rede Globo. Na série, os heróis Acelora (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), dois meninos negros, narram aventuras de seu cotidiano de moradores do morro, para o amplo público de TV.
Talvez em resposta a críticas geradas pelo filme, o universo dramático dos personagens do seriado se diversifica. O estilo ágil permanece. Quatro dos cinco episódios que compõem a temporada de 2003 tratam de assuntos que extrapolam o tráfico e a violência no morro. Três deles abordam relações inter-raciais e interclasses com locações na zona sul carioca e em Brasília.
"Sábado", o programa de Fernando Meirelles que abriu a temporada, se passa na favela. Mas longe das balas, apresenta desventuras amorosas dos heróis pré-adolescentes em um baile funk. O tom etnográfico, em ritmo de clipe, descreve, para quem não conhece, a balada preferida da moçada.
"Dois para Brasília", de César Charlone, mantém a linha bem sucedida da parceria com Jorge Furtado. O episódio lida com a situação precária de presos. A busca da solidariedade do presidente Lula justifica a ida dos personagens à capital federal.
A história é recheada de flashbacks que preenchem a longa viagem de ônibus (um avião talvez poupasse o recurso). O forte está na improvisação da dupla, cada vez melhor, de atores em processo de formação.
O episódio brinca ainda com o vídeo, mostrando a falta de jeito de Laranjinha para a função de cinegrafista. Não faltam imagens descentradas e quadros vazios, típicos do amadorismo. E, como se viu, a falha técnica pode ser fatal para o registro documental.
A julgar pela audiência média de 35 pontos obtida pelo primeiro episódio, em contraste com os 23 de "Carga Pesada", o público aprova a novidade que não precisaria ir ao ar tão tarde, nem em doses tão reduzidas.
A novela das oito descreve o repertório fútil de pessoas dispostas a armar qualquer barraco para penetrar a arena da fama. "Cidade dos Homens" revela um pouco do universo popular dos morros cariocas interpretado por dois garotos que, esses sim, encontraram, ao menos por hora, no ofício de ator, uma via de inclusão. Não perca os próximos episódios.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

CIDADE DOS HOMENS. Quando: terça, às 22h35, na Globo.


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