São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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"Não recebo um centavo por isso"

Lula Côrtes, que tem seu "Paêbirú" cotado em R$ 4 mil, diz que reimpressão por selo alemão em 2004 não foi autorizada

Donos de lojas confirmam preferência por vinis de rock psicodélico nordestino aos de bossa nova, os mais procurados há dois anos

DA REPORTAGEM LOCAL

"A única coisa chata é que ele é um dos discos mais raros e caros do mundo, mas não recebo um centavo por isso." A frase é de Lula Côrtes, que gravou "Paêbirú" com Zé Ramalho.
Devido a desentendimentos entre os dois músicos, o álbum de 1975 nunca foi relançado no Brasil. Em 2004, ganhou uma edição inglesa, em vinil e em CD, obra do selo alemão Shadoks. Mas, segundo Côrtes, isso foi feito sem autorização.
"Esse selo é ilegal. Não fizeram contato comigo nem com Zé Ramalho, pois ele é uma pessoa muito honesta e teria me informado sobre isso", afirmou Côrtes, 57, à Folha. Contatado, Zé Ramalho preferiu não dar entrevista sobre o disco.
A ficha técnica de "Paêbirú" traz mais de 20 participantes. Cada lado do discos é dividido como uma suíte (Terra, Água, Fogo, Ar). A música traz influências de canções indígenas, timbres orientais e é classificada como folk psicodélico.
Dá para ouvir "Paêbirú" sem gastar R$ 4.000 por meio de blogs como o http://brnuggets.blogspot.com/. "Achei que ia aparecer apenas uma meia dúzia de aficionados", diz Fábio Peraçoli, responsável pelo blog. "Mas desde janeiro já recebi mais de 140 mil acessos, incluindo gente da Dinamarca, França e Estados Unidos."
Para ter idéia do que encontrará em "Paêbirú", os créditos do disco trazem Alceu Valença tocando pente e Côrtes na cítara, baixo, harpa, guitarra, destruição da guitarra, efeitos de vento e trompas marinhas, entre outras esquisitices.
"Eles faziam coisas fantásticas que ninguém sabia. Juntavam Luiz Gonzaga com rock em 1973", conta o jornalista José Teles, autor do livro "Do Frevo ao Mangue Beat". "Essa cena, que tinha Marconi Notaro e Flaviola, girava em torno do estúdio e fábrica Rozenblit." Nesse ambiente, Côrtes fez outros discos raros, como "Rosa de Sangue" e "Satwa" (73).

Da bossa ao rock
"Comprei o meu há 15 anos. É invendável", diz o colecionador João Pacheco ao tirar da capa seu precioso vinil com o nome Rozenblit e o selo Solar, que pertencia a Côrtes.
"É a bola da vez", afirma Luiz Calanca, proprietário da loja paulistana Baratos Afins, sobre a psicodelia nordestina na qual está inserido "Paêbirú". "A bossa nova teve uma fase boa até dois anos atrás. Agora quem está em alta é esse rock brasileiro", faz coro Alcides Campos, da loja e sebo Ventania.
Essa alta é relacionada em grande parte à procura dos discos por colecionadores estrangeiros. "De tempos em tempos os compradores de fora focam em um gênero e vêm para cá comprar tudo", diz Marcelo Digiacomo, da loja Discomania. "O preço de venda para eles chega a ser dez vezes maior do que para um brasileiro."
Digiacomo estima que existam 5.000 discos raros no Brasil. "Mas raros com valor histórico e colecionável, uns mil. Desses, uns 300 são "classe A"." O que faz um disco entrar para a "classe A": "Depende do estado de conservação, de quantos discos foram prensados, se o artista vingou. Há LPs raros que não são necessariamente valiosos. Um disco raro de um artista fraco não atinge preço".
(THIAGO NEY)


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