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32ª Mostra de SP/Crítica
Em "Horas de Verão", Assayas expõe o fim da Europa com centro do mundo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O livier Assayas, o mais
inquieto dos cineastas
franceses (excluídos os
de origem árabe, claro), faz em
"Horas de Verão" o retrato de
uma família aristocrática francesa, que começa com o aniversário de Hélène, a matriarca.
Vivemos um clima impressionista, que tem relação com o
fato de estes serem os descendentes do pintor Paul Berthier,
de quem Hélène é viúva. Elegância, luz de verão amena
-cerimônia amena, também, a
não ser por inquietações que se
manifestam desde logo.
Hélène prepara sua morte e
começa a determinar, em conversa com Frédéric, o filho economista, o que fazer com os
bens. Frédéric pretende conservar na família os principais
tesouros: a casa do pai, pelo menos, as telas de Corot. Quer dar
seqüência a uma linhagem. Hélène retruca que este mundo
não é mais o seu. É dos descendentes de Berthier.
Frédéric, assim como os irmãos Jérémie e Adrienne, é filho de Hélène, mas não do pintor. Existe uma disputa entre
os irmãos. Jérémie, que mora
na China, quer passar o que for
possível nos cobres. Adrienne,
que mora nos EUA, tem pensamento parecido. Frédéric, que
mora na França, quer manter a
maior parte das coisas intactas.
É quase um não-conflito. E se
Assayas se empenha em manter o tom rebaixado, empenha-se também para que as situações e nuances sejam realçadas
por uma mise-en-scène ágil,
quase nervosa, resultando num
filme de exatidão admirável.
Porque a rigor o que ocupa os
pensamentos do autor francês
é o fim de uma era e o início tumultuado de outra. O fim da
Europa como centro do mundo. Os quadros e objetos de
Berthier estão espalhados pelo
mundo, assim como seus filhos.
Continuar vivendo na França é
só uma hipótese, não mais uma
fatalidade. A economia, justamente, leva a novos caminhos.
Esses são os caminhos da cultura. Adrienne nem aprecia a
casa, com objetos do século 19,
relíquias de um mundo acabado. Jérémie pensa na Ásia. Com
Hélène, é um modo de vida que
morre. Dela restarão resíduos,
doravante expostos em museus
-guardarão uma experiência
de época, impessoal.
Os traços de Berthier, de seu
tempo, do tempo "europeu", se
dispersam em mil pequenos
conflitos, todos significativos,
que nos lembram que a hegemonia não só política como intelectual da Europa terminou.
O que fazer? Não é uma questão estéril, a que lança Assayas
a este continente ainda muito
seguro de sua hegemonia e que
aceita como uma perda (não
sem razão) a chegada de tempos novos e, pior, a necessidade
de adaptar-se a eles.
HORAS DE VERÃO
Quando: hoje, 19h20, Cine Bombril;
amanhã, 16h10, HSBC Belas Artes;
sáb., 18h, Unibanco Arteplex
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: ótimo
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