São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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32ª Mostra de SP/Crítica

Em "Horas de Verão", Assayas expõe o fim da Europa com centro do mundo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O livier Assayas, o mais inquieto dos cineastas franceses (excluídos os de origem árabe, claro), faz em "Horas de Verão" o retrato de uma família aristocrática francesa, que começa com o aniversário de Hélène, a matriarca.
Vivemos um clima impressionista, que tem relação com o fato de estes serem os descendentes do pintor Paul Berthier, de quem Hélène é viúva. Elegância, luz de verão amena -cerimônia amena, também, a não ser por inquietações que se manifestam desde logo.
Hélène prepara sua morte e começa a determinar, em conversa com Frédéric, o filho economista, o que fazer com os bens. Frédéric pretende conservar na família os principais tesouros: a casa do pai, pelo menos, as telas de Corot. Quer dar seqüência a uma linhagem. Hélène retruca que este mundo não é mais o seu. É dos descendentes de Berthier.
Frédéric, assim como os irmãos Jérémie e Adrienne, é filho de Hélène, mas não do pintor. Existe uma disputa entre os irmãos. Jérémie, que mora na China, quer passar o que for possível nos cobres. Adrienne, que mora nos EUA, tem pensamento parecido. Frédéric, que mora na França, quer manter a maior parte das coisas intactas.
É quase um não-conflito. E se Assayas se empenha em manter o tom rebaixado, empenha-se também para que as situações e nuances sejam realçadas por uma mise-en-scène ágil, quase nervosa, resultando num filme de exatidão admirável.
Porque a rigor o que ocupa os pensamentos do autor francês é o fim de uma era e o início tumultuado de outra. O fim da Europa como centro do mundo. Os quadros e objetos de Berthier estão espalhados pelo mundo, assim como seus filhos.
Continuar vivendo na França é só uma hipótese, não mais uma fatalidade. A economia, justamente, leva a novos caminhos.
Esses são os caminhos da cultura. Adrienne nem aprecia a casa, com objetos do século 19, relíquias de um mundo acabado. Jérémie pensa na Ásia. Com Hélène, é um modo de vida que morre. Dela restarão resíduos, doravante expostos em museus -guardarão uma experiência de época, impessoal.
Os traços de Berthier, de seu tempo, do tempo "europeu", se dispersam em mil pequenos conflitos, todos significativos, que nos lembram que a hegemonia não só política como intelectual da Europa terminou. O que fazer? Não é uma questão estéril, a que lança Assayas a este continente ainda muito seguro de sua hegemonia e que aceita como uma perda (não sem razão) a chegada de tempos novos e, pior, a necessidade de adaptar-se a eles.


HORAS DE VERÃO
Quando: hoje, 19h20, Cine Bombril; amanhã, 16h10, HSBC Belas Artes; sáb., 18h, Unibanco Arteplex
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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