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Comida
Lugar de mulher é na cozinha
É isto que Anne-Sophie Pic vem provando na França, onde é hoje a única mulher com três estrelas no "Michelin'; no próximo mês, a chef vem ao Brasil pela primeira vez para servir um menu-degustação no restaurante paulistano Eau
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando as novidades da última edição francesa do "Michelin", o mais importante guia de
restaurantes do mundo, foram
anunciadas em fevereiro, a
grande notícia não foi a elevação de cinco casas à categoria
máxima -a dos restaurantes
três estrelas-, e sim o fato de
uma delas ter à frente uma mulher, a chef Anne-Sophie Pic.
A notícia causou alarde por
um motivo simples: ela é atualmente a única mulher que tem
as disputadas três estrelas na
França -antes dela, apenas
Eugénie Brazier, Marie Bourgeois e Marguerite Bise receberam a distinção máxima. Em
um país onde a cozinha dos restaurantes ainda é um ambiente
predominantemente masculino, Anne-Sophie Pic conseguiu
ainda outro feito: foi a primeira
mulher eleita "chef do ano".
"A cozinha esteve muito
tempo fechada para as mulheres. Evidentemente, as coisas
mudaram", diz Anne-Sophie
Pic, 38, em entrevista à Folha.
Filha e neta de cozinheiros
igualmente estrelados, a chef
do Pic, em Valence, vem em dezembro ao Brasil. No restaurante Eau, do Grand Hyatt São
Paulo, preparará nos dias 4, 5 e
6 um menu-degustação (R$
350; tel. 0/xx/11/6838-3207)
cuja tônica deve ser uma brincadeira com a textura dos alimentos. Leia, a seguir, trechos
de sua entrevista à Folha.
FOLHA - Você foi a quarta mulher
na França a receber as três estrelas
do "Michelin". Por que acha que o
guia demorou para dar novamente
a cotação máxima a uma mulher?
ANNE-SOPHIE PIC - Existem poucas chefs mulheres na França e
nem todas têm, necessariamente, a ambição de ganhar estrelas. Culturalmente, é verdade que as mulheres não receberam o "savoir-faire" das mães e
das avós durante um certo período, pois se direcionaram em
outras profissões. Por outro lado, a cozinha esteve muito tempo fechada para elas. Evidentemente, as coisas mudaram, e a
profissão traz um novo olhar
sobre as mulheres. Espero que
meu exemplo suscite em outras
mulheres a vontade de adotar
essa profissão.
FOLHA - A cozinha do dia-a-dia,
aquela feita em casa, tradicionalmente é feminina. Se há essa familiaridade das mulheres com o preparo dos alimentos, por que isso não se
reproduz nos restaurantes?
PIC - A cozinha familiar é uma
coisa. É verdade que as mulheres muitas vezes expressam
uma cozinha de coração, sentimental, que certamente é a melhor. Todos lembramos de um
prato memorável de nossa mãe
ou avó que é inigualável. A cozinha de nível gastronômico, porém, demanda mais técnica e
pesquisa de produtos.
FOLHA - Depois da consagração do
Pic, você também foi agraciada com
o título de melhor chef da França...
PIC - Este ano foi excepcional
para nós. É a recompensa pelo
meu trabalho e pelo da minha
equipe. Isso me trouxe uma
certa serenidade mas também
uma pressão extra para ser ainda melhor. Tivemos de nos
adaptar a um relevante aumento de clientes, o que demandou
um reforço em nossas equipes.
FOLHA - Você foi a terceira de sua
família a obter as três estrelas do
"Michelin". Qual o peso disso?
PIC - Ganhar a terceira estrela
foi a mais bela homenagem que
pude fazer ao meu pai. Sempre
tive vontade de estar no nível
daqueles que construíram e fizeram o passado, meu pai e
meu avô. Foi uma dificuldade
no início da minha carreira, o
medo de não estar à altura, de
não merecer essa herança. Ao
mesmo tempo, foi uma grande
motivação para me superar depois, quando comecei a me sentir bem em minha carreira.
FOLHA - Conhece algo da cozinha
brasileira e os chefs daqui?
PIC - Não conheço a cozinha
brasileira. De reputação, conheço Alex Atala e gostaria de
descobrir sua cozinha. Espero
ter a oportunidade de encontrar outros chefs e experimentar novos produtos.
FOLHA - Qual é sua opinião sobre a
cozinha molecular?
PIC - Falando em texturas, a
cozinha molecular enriqueceu
muito a cozinha em geral. Utilizo algumas técnicas que são interessantes pois acrescentam
algo à minha cozinha, mas sou
contra desestruturar o produto. O gosto me parece essencial,
e essas novas técnicas demandam bastante trabalho para
que o equilíbrio do gosto seja
bem controlado.
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