São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007

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Comida

Lugar de mulher é na cozinha

É isto que Anne-Sophie Pic vem provando na França, onde é hoje a única mulher com três estrelas no "Michelin'; no próximo mês, a chef vem ao Brasil pela primeira vez para servir um menu-degustação no restaurante paulistano Eau

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando as novidades da última edição francesa do "Michelin", o mais importante guia de restaurantes do mundo, foram anunciadas em fevereiro, a grande notícia não foi a elevação de cinco casas à categoria máxima -a dos restaurantes três estrelas-, e sim o fato de uma delas ter à frente uma mulher, a chef Anne-Sophie Pic.
A notícia causou alarde por um motivo simples: ela é atualmente a única mulher que tem as disputadas três estrelas na França -antes dela, apenas Eugénie Brazier, Marie Bourgeois e Marguerite Bise receberam a distinção máxima. Em um país onde a cozinha dos restaurantes ainda é um ambiente predominantemente masculino, Anne-Sophie Pic conseguiu ainda outro feito: foi a primeira mulher eleita "chef do ano".
"A cozinha esteve muito tempo fechada para as mulheres. Evidentemente, as coisas mudaram", diz Anne-Sophie Pic, 38, em entrevista à Folha.
Filha e neta de cozinheiros igualmente estrelados, a chef do Pic, em Valence, vem em dezembro ao Brasil. No restaurante Eau, do Grand Hyatt São Paulo, preparará nos dias 4, 5 e 6 um menu-degustação (R$ 350; tel. 0/xx/11/6838-3207) cuja tônica deve ser uma brincadeira com a textura dos alimentos. Leia, a seguir, trechos de sua entrevista à Folha.

 

FOLHA - Você foi a quarta mulher na França a receber as três estrelas do "Michelin". Por que acha que o guia demorou para dar novamente a cotação máxima a uma mulher?
ANNE-SOPHIE PIC -
Existem poucas chefs mulheres na França e nem todas têm, necessariamente, a ambição de ganhar estrelas. Culturalmente, é verdade que as mulheres não receberam o "savoir-faire" das mães e das avós durante um certo período, pois se direcionaram em outras profissões. Por outro lado, a cozinha esteve muito tempo fechada para elas. Evidentemente, as coisas mudaram, e a profissão traz um novo olhar sobre as mulheres. Espero que meu exemplo suscite em outras mulheres a vontade de adotar essa profissão.

FOLHA - A cozinha do dia-a-dia, aquela feita em casa, tradicionalmente é feminina. Se há essa familiaridade das mulheres com o preparo dos alimentos, por que isso não se reproduz nos restaurantes?
PIC -
A cozinha familiar é uma coisa. É verdade que as mulheres muitas vezes expressam uma cozinha de coração, sentimental, que certamente é a melhor. Todos lembramos de um prato memorável de nossa mãe ou avó que é inigualável. A cozinha de nível gastronômico, porém, demanda mais técnica e pesquisa de produtos.

FOLHA - Depois da consagração do Pic, você também foi agraciada com o título de melhor chef da França...
PIC -
Este ano foi excepcional para nós. É a recompensa pelo meu trabalho e pelo da minha equipe. Isso me trouxe uma certa serenidade mas também uma pressão extra para ser ainda melhor. Tivemos de nos adaptar a um relevante aumento de clientes, o que demandou um reforço em nossas equipes.

FOLHA - Você foi a terceira de sua família a obter as três estrelas do "Michelin". Qual o peso disso?
PIC -
Ganhar a terceira estrela foi a mais bela homenagem que pude fazer ao meu pai. Sempre tive vontade de estar no nível daqueles que construíram e fizeram o passado, meu pai e meu avô. Foi uma dificuldade no início da minha carreira, o medo de não estar à altura, de não merecer essa herança. Ao mesmo tempo, foi uma grande motivação para me superar depois, quando comecei a me sentir bem em minha carreira.

FOLHA - Conhece algo da cozinha brasileira e os chefs daqui?
PIC -
Não conheço a cozinha brasileira. De reputação, conheço Alex Atala e gostaria de descobrir sua cozinha. Espero ter a oportunidade de encontrar outros chefs e experimentar novos produtos.

FOLHA - Qual é sua opinião sobre a cozinha molecular?
PIC -
Falando em texturas, a cozinha molecular enriqueceu muito a cozinha em geral. Utilizo algumas técnicas que são interessantes pois acrescentam algo à minha cozinha, mas sou contra desestruturar o produto. O gosto me parece essencial, e essas novas técnicas demandam bastante trabalho para que o equilíbrio do gosto seja bem controlado.


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