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"Vênus" é baseado em livro de autor japonês
Filme que pode dar Oscar a Peter O'Toole nasce de narrativa de Junichiro Tanizaki
Ator irlandês, protagonista de "Lawrence da Arábia", interpreta idoso que se apaixona por jovem suburbana de Londres
MARCELO STAROBINAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LONDRES
"Vênus", que entra hoje em
circuito mais amplo, depois de
um período de pré-estréia em
São Paulo, é um filme inglês até
o pescoço. Mas nasceu no Japão. A história do desejo ardente do septuagenário e vaidoso
ator de teatro Maurice (Peter
O'Toole) por Jessie, uma típica
"aborrecente" britânica, com
gírias ininteligíveis e trajes cor-de-rosa, pode ser vista como retrato do abismo entre as gerações em Londres hoje.
O roteiro do escritor britânico Hanif Kureishi, porém, nasceu na Ásia, mais precisamente
de um livro do escritor japonês
Junichiro Tanizaki, "Diário de
um Velho Louco".
O delicioso amor proibido de
Maurice por Jessie nasceu da
saga de um patriarca podólatra
japonês, que, à beira da morte,
aos 77 anos, redescobre o prazer pela vida no culto aos pés da
mulher de seu filho.
"Eu estava em um trem e não
conseguia parar de ler o livro de
Tanizaki", contou Kureishi, durante um evento recente na
London Film School. Há tempos ele buscava uma trama para um roteiro de longa-metragem encomendado pelo seu
amigo e cineasta Roger Michell
("Um Lugar em Notting Hill").
Entusiasta de temas tabus e
de personagens de sexualidade
complexa, o roteirista de filmes
como "Minha Adorável Lavanderia" (de Stephen Frears) encontrou na prosa de Tanizaki o
fio da meada que teimava em
lhe escapar.
"A dificuldade de começar
um novo trabalho geralmente é
a dificuldade de encontrar um
ponto de vista, uma forma de
entrar na história, um ponto de
partida", escreveu Kureishi no
"Guardian". "Eu não queria
adaptar o romance para o cinema. Isso já havia sido feito e não
fazia sentido tentar espremer
uma obra de sucesso num meio
para caber em outro, mesmo
por dinheiro."
Então Kureishi pôs a mão na
massa para recriar a história
para a tela. O tesão do septuagenário de "Vênus" não é pela
nora, como na trama japonesa,
mas pela sobrinha-neta que se
muda para a casa do melhor
amigo, no centro de Londres.
E os avanços sexuais do velhinho Maurice, personagem
que pode dar a O'Toole -que
na juventude protagonizou
"Lawrence da Arábia"- o Oscar de melhor ator, são bem
mais aceitáveis para o público
médio de cinema que a tara do
anti-herói de Tanizaki pelo
odor dos pés de sua nora.
"Uma maneira de utilizar o
trabalho de outro escritor, de se
aproximar dele sem ser apenas
por meio da leitura, é "escrever
ao redor" de suas idéias, desenvolvê-las ao seu modo até que o
original se torne quase irreconhecível", diz Kureishi.
Sedução
O resultado é muito bom.
Maurice começa a impressionar a garota suburbana, que sonha em ser modelo, com programas no West End londrino.
Leva-a para assistir um espetáculo no Royal Court Theatre
(onde Kureishi viveu seus dias
de dramaturgo), vai às compras
na Top Shop de Oxford Street,
arrisca um passeio romântico
na beira do Tâmisa em South
Bank. Mergulha-a, também,
nas artes plásticas, na National
Gallery, onde apresenta a ela
seu quadro preferido, "Vênus
ao Espelho", do pintor espanhol Velázquez.
Como no livro de Tanizaki, a
jovem torna-se cada vez mais
sedutora e poderosa. Com um
prazer quase mórbido, Jessie
acena com a possibilidade de
sexo. Permite ao idoso admirador que toque sua mão ou cheire sua nuca.
Talvez pelas semelhanças
entre personagem e vida real,
O'Toole encarna Maurice à
perfeição. A escolha dele para o
papel dá vida ao roteiro.
"Quando eu e Roger vimos
O'Toole chegando sem fôlego,
quase morrendo, na idade em
que está, na hora vimos que ele
era perfeito para o filme. Ele tinha o nível ideal de "quase morte" que procurávamos", ironizou o escritor.
Em 2004, O'Toole ganhou
um Oscar honorário por sua
longa carreira no cinema. Ele
nunca, porém, em sete indicações como melhor ator, recebeu a estatueta por sua atuação
num filme. "Vênus" pode ser
sua última chance.
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