São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Vênus" é baseado em livro de autor japonês

Filme que pode dar Oscar a Peter O'Toole nasce de narrativa de Junichiro Tanizaki

Ator irlandês, protagonista de "Lawrence da Arábia", interpreta idoso que se apaixona por jovem suburbana de Londres


MARCELO STAROBINAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LONDRES

"Vênus", que entra hoje em circuito mais amplo, depois de um período de pré-estréia em São Paulo, é um filme inglês até o pescoço. Mas nasceu no Japão. A história do desejo ardente do septuagenário e vaidoso ator de teatro Maurice (Peter O'Toole) por Jessie, uma típica "aborrecente" britânica, com gírias ininteligíveis e trajes cor-de-rosa, pode ser vista como retrato do abismo entre as gerações em Londres hoje.
O roteiro do escritor britânico Hanif Kureishi, porém, nasceu na Ásia, mais precisamente de um livro do escritor japonês Junichiro Tanizaki, "Diário de um Velho Louco".
O delicioso amor proibido de Maurice por Jessie nasceu da saga de um patriarca podólatra japonês, que, à beira da morte, aos 77 anos, redescobre o prazer pela vida no culto aos pés da mulher de seu filho.
"Eu estava em um trem e não conseguia parar de ler o livro de Tanizaki", contou Kureishi, durante um evento recente na London Film School. Há tempos ele buscava uma trama para um roteiro de longa-metragem encomendado pelo seu amigo e cineasta Roger Michell ("Um Lugar em Notting Hill").
Entusiasta de temas tabus e de personagens de sexualidade complexa, o roteirista de filmes como "Minha Adorável Lavanderia" (de Stephen Frears) encontrou na prosa de Tanizaki o fio da meada que teimava em lhe escapar.
"A dificuldade de começar um novo trabalho geralmente é a dificuldade de encontrar um ponto de vista, uma forma de entrar na história, um ponto de partida", escreveu Kureishi no "Guardian". "Eu não queria adaptar o romance para o cinema. Isso já havia sido feito e não fazia sentido tentar espremer uma obra de sucesso num meio para caber em outro, mesmo por dinheiro."
Então Kureishi pôs a mão na massa para recriar a história para a tela. O tesão do septuagenário de "Vênus" não é pela nora, como na trama japonesa, mas pela sobrinha-neta que se muda para a casa do melhor amigo, no centro de Londres.
E os avanços sexuais do velhinho Maurice, personagem que pode dar a O'Toole -que na juventude protagonizou "Lawrence da Arábia"- o Oscar de melhor ator, são bem mais aceitáveis para o público médio de cinema que a tara do anti-herói de Tanizaki pelo odor dos pés de sua nora.
"Uma maneira de utilizar o trabalho de outro escritor, de se aproximar dele sem ser apenas por meio da leitura, é "escrever ao redor" de suas idéias, desenvolvê-las ao seu modo até que o original se torne quase irreconhecível", diz Kureishi.

Sedução
O resultado é muito bom. Maurice começa a impressionar a garota suburbana, que sonha em ser modelo, com programas no West End londrino. Leva-a para assistir um espetáculo no Royal Court Theatre (onde Kureishi viveu seus dias de dramaturgo), vai às compras na Top Shop de Oxford Street, arrisca um passeio romântico na beira do Tâmisa em South Bank. Mergulha-a, também, nas artes plásticas, na National Gallery, onde apresenta a ela seu quadro preferido, "Vênus ao Espelho", do pintor espanhol Velázquez.
Como no livro de Tanizaki, a jovem torna-se cada vez mais sedutora e poderosa. Com um prazer quase mórbido, Jessie acena com a possibilidade de sexo. Permite ao idoso admirador que toque sua mão ou cheire sua nuca.
Talvez pelas semelhanças entre personagem e vida real, O'Toole encarna Maurice à perfeição. A escolha dele para o papel dá vida ao roteiro.
"Quando eu e Roger vimos O'Toole chegando sem fôlego, quase morrendo, na idade em que está, na hora vimos que ele era perfeito para o filme. Ele tinha o nível ideal de "quase morte" que procurávamos", ironizou o escritor.
Em 2004, O'Toole ganhou um Oscar honorário por sua longa carreira no cinema. Ele nunca, porém, em sete indicações como melhor ator, recebeu a estatueta por sua atuação num filme. "Vênus" pode ser sua última chance.


Texto Anterior: Thiago Ney: Simone
Próximo Texto: Crítica/"Vênus": O'Toole brilha em filme britânico desigual
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.