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Crítica/"Vênus"
O'Toole brilha em filme britânico desigual
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Bioy Casares, o escritor
argentino, notou, chegando a certa idade, que
se tornara invisível para as mulheres. Elas passavam e era como se não existisse, ele disse.
Adolfo Bioy Casares era conhecido em seu meio como homem
bonito e sedutor. Bem menos,
em todo caso, do que Peter
O'Toole, que está para a Inglaterra como Mastroianni está
para a Itália, como Alain Delon
para a França.
Em "Vênus", no entanto,
O'Toole chegou a essa idade a
que se refere Bioy. Ele se chama
Maurice e arrasta sua velhice
com o amigo Ian (Leslie Phillips). Juntos, eles recordam
momentos passados no palco
-são atores-, vão ao teatro,
contam tostões da aposentadoria. A rigor, esperam pela morte. Isso até que Jessie (Jodie
Whittaker), sobrinha-neta de
Ian, entra em cena para horror
de Ian e alegria de Maurice.
Maurice parece não se incomodar com os modos grosseiros de Jessie. Não é isso o que
ele vê. Maurice vê nela uma beleza que talvez nem ela mesma
consiga ver. Jessie afasta o velho para longe de si sem grande
sutileza. Ele não se importa.
Velho sedutor, busca seduzi-la,
agradá-la. Tornar-se visível à
jovem, em suma.
O que ele deseja? Questão
complicada. Maurice não é tolo
e conhece o abismo etário que o
separa da jovem. Isso não o impede de levá-la à National Gallery de Londres para ver a "Vênus" de Velásquez. Essa é a
idéia que ele faz de Jessie. Até
que ponto poderá ela permanecer indiferente a isso?
Fiquemos por aqui, por um
tempo. A primeira parte do filme é uma delícia. Seja pelo modo de vida dos velhos atores,
pela discrepância em suas maneiras de ver o mundo (Ian, ao
receber a sobrinha-neta, pede
por eutanásia; Maurice se apaixona), pelo contraste entre os
modos do velho e da jovem, pelos diálogos de humor cortante,
à inglesa.
A segunda parte tem como
centro uma operação da próstata que torna Maurice impotente. E não só ele: o filme junto, na medida em que toda a
ambigüidade, que até então se
cria em torno das relações entretidas pelo velho com a moça,
perde-se desde então.
Talvez interessasse ao roteirista Hanif Kureishi (que escreveu os primeiros sucessos de
Stephen Frears) notar que o
desejo sobrevive à ereção -o
que não é insignificante. Talvez
isso não interessasse na mesma
medida ao diretor Roger Michell (que é antes de mais nada
um bom "faire valoir" de atores
de primeira linha), ou, quem
sabe, Michell não estivesse à altura desse desafio.
O fato é que, na segunda parte, "Vênus" acumula meio ao
acaso momentos significativos
e outros (como a entrada em
cena do namorado de Jessie)
que parecem estar lá só para
dar metragem ao filme.
O mistério do desejo e sua
ambigüidade, representados
por Maurice, cedem lugar a um
velho quase gagá em sua relação absurda com a garota.
Apesar disso, mesmo nos
momentos em que "Vênus" parece a ponto de perder sua força, em que a comédia dramática
parece pronta a ceder lugar a
um drama massudo e pouco
apaixonante, Peter O'Toole
continua a criar um personagem impecável.
É ele, a rigor, seu presente e
seu passado, sua beleza impecável, quase feminina, o começo e o fim, o fundamento de
"Vênus". Ele é um espetáculo.
VÊNUS
Direção: Roger Michell
Produção: Reino Unido, 2006
Com: Peter O'Toole, Jodie Whittaker, Vanessa Redgrave
Quando: a partir de hoje nos cines Bombril, Unibanco Arteplex e circuito
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