São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

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Parada gay atrai 200 mil em Sidney

ANDRÉ FISCHER
especial para a Folha, em Sydney

A surpreendente dimensão das comemorações dos 20 anos da primeira parada gay e lésbica em Sydney (Austrália) está tornando a futura sede olímpica em seríssima candidata a ganhar o título de capital gay do Hemisfério Sul.
Durante todo o mês de fevereiro, mais de cem eventos de arte, música, política, festas e artes visuais devem atrair mais de 200 mil visitantes GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) para o que já se tornou o principal marco turístico australiano.
Tudo começou em junho de 1978, quando ativistas de Sydney resolveram comemorar os nove anos do levante de Stonewall, primeira rebelião civil pelos direitos dos homossexuais, encabeçada por travestis no bairro do Village, em Nova York, e considerado marco zero na história recente do movimento gay.
A parada organizada reuniu cerca de mil pessoas e terminou em pancadaria após repressão policial e prisão de mais de 50 manifestantes. O confronto gerou na época uma verdadeira caça às bruxas.
O "Sydney Morning Herald", um dos maiores jornais do país, publicou ficha completa dos presos no conflito, que sofreram perseguições e formaram um grupo chamado posteriormente 78ers.
A sociedade em geral reagiu a essa situação, grupos gays organizados pipocaram em todo o país e muita coisa mudou na ilha continente desde então.
As drag-queens de "Priscilla - A Rainha do Deserto" tomaram o lugar do chauvinista "Crocodile Dundee" como imagem de exportação do país.
Os 78ers gozam de status semelhante ao dos veteranos de guerra e os homossexuais têm inegável visibilidade no cotidiano de Sydney.
Para evidenciar o caráter festivo da versão local da celebração do orgulho gay, foi decidida, ainda nos anos 80, a transferência da data original no final de junho para o final do verão, coincidindo com o carnaval (o nome "mardi gras" originalmente significa terça-feira gorda e hoje funciona nos países de língua inglesa como um sinônimo da festa de momo).
Organização
Desde então, o "mardi gras" deixou de ser um mero aglomerado de homossexuais bem intencionados para se tornar uma organização empresarial que trabalha o ano todo, com 18 funcionários, 1.500 voluntários, administrando um orçamento anual de US$ 4 milhões. Somente a venda de ingressos para a babilônica festa de encerramento, após a movimentação da Parada do Mardi Gras deste ano, a organização deve angariar mais de US$ 1,5 milhão, sem contar os patrocínios.
Essas cifras explicam em parte o apoio da iniciativa privada e órgãos públicos locais. Um estudo de 1996 indicava que o Mardi Gras gerou mais de US$ 50 milhões aos cofres da cidade em menos de 30 dias e com isso ganhou apoio até mesmo do conservador prefeito.
Eventos paralelos
Desde o início deste mês, dezenas de galerias de arte abrigam animadas vernissages com obras em torno da temática homossexual. Até o fim de fevereiro, o público do circuito das artes pode escolher dentro de um variado cardápio que inclui exposições de ilustrações sobre "bears" (homens peludos), fotos do circuito de King's Cross (bairro gay da cidade) e uma mostra coletiva de fotógrafos europeus e norte-americanos consagrados, que se dedicam a retratar o corpo masculino.
Na última quinta-feira, foi aberto o 5º Mardi Gras Filme Festival, com a exibição de "It's in the Water" (A Culpa É da Água), exibido em salas brasileiras durante o Festival Mix Brasil de 97.
Este ano, o festival exibe retrospectiva da produção cinematográfica gay e lésbica da Oceania, longas-metragens e programas de curtas de todo mundo e pela segunda vez promove o My Queer Career, disputado concurso que concede prêmios em dinheiro aos novos realizadores homossexuais australianos e neozelandeses.
Nos teatros da cidade, estão em cartaz 15 espetáculos que atraem a atenção pela originalidade dos temas, como o dramalhão biográfico sobre o assumidíssimo pianista norte-americano Liberace e "Joey Stefano Story", uma encenação semi-erótica do famoso ator pornô gay, morto por overdose no começo dos anos 90.
Durante essa semana, acontecem ainda a primeira regata náutica gay e encontros das mais variadas agremiações, de mergulhadores a religiosos. O ápice das comemorações será no próximo dia 28, quando mais de 500 mil pessoas devem assistir à Parada que cruza as ruas da cidade com carros alegóricos e grupos temáticos, divididos em alas, lembrando uma edição mais informal e sem vencedores dos desfiles dos sambódromos brasileiros.
A presidente do Sydney Lesbian and Gay Mardi Gras, Bev Lange, faz questão de reafirmar o sentido político original da data para os que hoje se embalam no apelo comercial e turístico da festa.
"Tudo isso acontece para que tenhamos anualmente uma oportunidade para reafirmar nosso lugar na comunidade e lembrar aqueles que se expuseram sem medo, para que alcançássemos alguns avanços", afirma Lange.



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