São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinemas viraram igrejas e jardim sujo

Fase áurea das salas japonesas na Liberdade teve 166 lançamentos num único ano, em 1963; média era de cem filmes

"Hoje a colônia se abrasileirou, e para ver um filme japonês você não precisa ver num gueto", diz Cakoff, criador da Mostra


DA REPORTAGEM LOCAL

Um jardim malcuidado, ainda que protegido por grades vermelhas, ocupa hoje o espaço que foi do pioneiro Cine Niterói, demolido em 1968 para a construção de uma avenida e um viaduto. "Isso aqui aos domingos ficava cheio de japonês solteiro, como eu", lembra o acupunturista Shigueo Matsukawa, 68, na r. Galvão Bueno.
O cinema chegou a ter uma sobrevida em outro endereço, mas fechou nos anos 80 após se entregar às pornochanchadas.
Já o Cine Jóia, na praça Carlos Gomes, virou igreja pentecostal e escola de black music, bem ao lado de um centro de umbanda e outro de espiritismo. O prédio ainda tem a mesma estrutura, mas no lugar da grande tela, um altar e tablado para eventos gospel. A sala do projecionista virou camarim.
As outras duas salas da Liberdade, Tokyo e Nippon, tiveram sorte parecida. A primeira virou igreja evangélica nipo-brasileira, e a segunda, um centro cultural que promove bailes e aulas de etiqueta japonesa.
"O cinema era a pracinha de antigamente, 50% da vida cultural da colônia era ali", diz Nelson Hirata, 65, cujo pai foi um dos pioneiros nas projeções ambulantes de filmes japoneses pelo interior de São Paulo, tudo em 35 mm, nos anos 30. Mais tarde, a patriarca Kimiyasu abriria o Cine Nippon.
"Mas a lei que obrigava a passar filmes nacionais [brasileiros] acabou com os cinemas", lembra Hirata, que virou lanterninha aos seis anos e programador de cinema mais tarde.
A fase áurea da Liberdade chegou a ter 166 filmes japoneses lançados num único ano, em 1963, embora a média fosse de cem, diz o pesquisador Alexandre Kishimoto. A popularização do VHS e a decadência do próprio cinema japonês colaboraram para o fim do circuito.
"Naquele tempo, íamos à Liberdade mais pelos cinemas do que pelos restaurantes", diz Leon Cakoff, criador da Mostra Internacional de Cinema de SP, que teve pôster da 20ª edição, em 1996, assinada por Kurosawa. "Hoje a colônia se abrasileirou, e para ver um filme japonês você não precisa ver num gueto." (FERNANDA EZABELLA)


Texto Anterior: Saiba mais: Produtoras tinham base em São Paulo
Próximo Texto: Mostras exibem filmes e desenhos de Kurosawa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.