São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2010

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Teatro/"Música para Ninar Dinossauros"

Mário Bortolotto se repete em espetáculo superficial e piegas

Nova peça do autor abusa de clichês e diálogos banais em trama sobre balanço geracional de três amigos quarentões

LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

A dramaturgia sonha transformar a vida em história para reinventá-la. "Música para Ninar Dinossauros", texto e direção de Mário Bortolotto, evoca situações e vivências contemporâneas, mas o faz de maneira superficial e resulta em caricatura.
Bortolotto construiu uma trajetória artística ímpar, mantendo uma inegável autenticidade. Sempre recusou o verniz da sofisticação e veio se aprofundando nos seus próprios fantasmas sem a preocupação de redundar nos temas.
Dessa vez, no espetáculo que foi uma das atrações mais procuradas no Festival de Curitiba e que estreia no fim de abril em São Paulo, foi fiel e repetiu a estrutura de quase todas as peças anteriores. Três amigos aparecem largados em um ambiente doméstico, em estado alcoólico, depressivo ou de excitação química. Sua perspectiva orgulhosamente misógina transparece nos diálogos banais e na troca de platitudes sobre a condição feminina. Ela está representada por prostitutas que partilham da pasmaceira do grupo masculino.
A novidade é que Bortolotto propõe um desdobramento desta estrutura, criando dois planos temporais. Um em que os três amigos são ainda jovens e outro em que aparecem como quarentões. Nas duas situações, que se alternam ao longo da encenação, três garotas de programa interagem com eles.
Se a duplicação favorece um caráter revisionista, de balanço geracional, o seu chauvinismo permanece inalterado.
É notável uma adesão programática à tríade sexo, drogas e rock & roll e uma vaga emulação da literatura "beatnik", mas a dramaturgia não alcança os parâmetros libertários ali formulados. No tocante ao espetáculo, prevalece outro traço típico de Bortolotto: um estudado ralentar do tempo cênico. As transições são vagarosas, como se a catatonia dos personagens contaminasse as cenas, o que é interessante. Nesse sentido, a escolha de dois não atores -Lourenço Mutarelli e Paulo de Tharso -para compor o elenco é oportuna.
Se há algo que surpreende é a presença de alguns números musicais. As canções colaboram para enfatizar o tom melancólico e o caráter niilista do conjunto. Mas, curiosamente, embalam um sub-reptício sentido redentor que emerge no fim. O personagem central, o próprio autor e encenador, permanecerá com dificuldades na relação com as mulheres que não sejam putas, mas já se esboça nele um reconhecimento destas como seres humanos.
Chega a ser piegas e passa bem longe do quadro derrisório que se vinha construindo. A vida, real ou imaginária, é mais embaixo.

O crítico LUIZ FERNANDO RAMOS viaja a convite da organização do Festival de Curitiba



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