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Teatro/"Música para Ninar Dinossauros"
Mário Bortolotto se repete em espetáculo superficial e piegas
Nova peça do autor abusa de clichês e diálogos banais em trama sobre balanço geracional de três amigos quarentões
LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
A dramaturgia sonha
transformar a vida em
história para reinventá-la. "Música para Ninar Dinossauros", texto e direção de Mário Bortolotto, evoca situações
e vivências contemporâneas,
mas o faz de maneira superficial e resulta em caricatura.
Bortolotto construiu uma
trajetória artística ímpar, mantendo uma inegável autenticidade. Sempre recusou o verniz
da sofisticação e veio se aprofundando nos seus próprios
fantasmas sem a preocupação
de redundar nos temas.
Dessa vez, no espetáculo que
foi uma das atrações mais procuradas no Festival de Curitiba
e que estreia no fim de abril em
São Paulo, foi fiel e repetiu a estrutura de quase todas as peças
anteriores. Três amigos aparecem largados em um ambiente
doméstico, em estado alcoólico, depressivo ou de excitação
química. Sua perspectiva orgulhosamente misógina transparece nos diálogos banais e na
troca de platitudes sobre a condição feminina. Ela está representada por prostitutas que
partilham da pasmaceira do
grupo masculino.
A novidade é que Bortolotto
propõe um desdobramento
desta estrutura, criando dois
planos temporais. Um em que
os três amigos são ainda jovens
e outro em que aparecem como
quarentões. Nas duas situações, que se alternam ao longo
da encenação, três garotas de
programa interagem com eles.
Se a duplicação favorece um caráter revisionista, de balanço
geracional, o seu chauvinismo
permanece inalterado.
É notável uma adesão programática à tríade sexo, drogas
e rock & roll e uma vaga emulação da literatura "beatnik", mas
a dramaturgia não alcança os
parâmetros libertários ali formulados. No tocante ao espetáculo, prevalece outro traço típico de Bortolotto: um estudado
ralentar do tempo cênico. As
transições são vagarosas, como
se a catatonia dos personagens
contaminasse as cenas, o que é
interessante. Nesse sentido, a
escolha de dois não atores
-Lourenço Mutarelli e Paulo
de Tharso -para compor o
elenco é oportuna.
Se há algo que surpreende é a
presença de alguns números
musicais. As canções colaboram para enfatizar o tom melancólico e o caráter niilista do
conjunto. Mas, curiosamente,
embalam um sub-reptício sentido redentor que emerge no
fim. O personagem central, o
próprio autor e encenador, permanecerá com dificuldades na
relação com as mulheres que
não sejam putas, mas já se esboça nele um reconhecimento
destas como seres humanos.
Chega a ser piegas e passa
bem longe do quadro derrisório
que se vinha construindo. A vida, real ou imaginária, é mais
embaixo.
O crítico LUIZ FERNANDO RAMOS viaja a convite da organização do Festival de Curitiba
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