São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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GUILHERME WISNIK

Do mecânico ao energético


Não caminhamos para um futuro colorido de "paraísos artificiais". A natureza não é dócil, como antes se supunha

QUANDO, EM 1972, Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour lançaram seu manifesto em louvor a Las Vegas ("Aprendendo com Las Vegas", Cosac Naify), afirmavam polemicamente que a importância da arquitetura declinava diante da proeminência da comunicação visual urbana: luminosos de postos de gasolina, cassinos etc. Numa "era da informação", diziam, a arquitetura deve rejeitar a abstração e promover a iconografia eletrônica. Desse modo, trocaria o já anacrônico paradigma industrial moderno (fábricas, silos, transatlânticos), inspirado nos avanços da engenharia do século 19, pelo vernáculo comercial da cultura de massas: a pop art e a publicidade.
No entanto, voltando a Las Vegas 30 anos depois, Venturi admite que o heroísmo inaugural daqueles tempos não havia deixado rastros e que o caráter iconográfico da cidade fora substituído pelo cenográfico: aglomerado exótico de shoppings e jardins pitorescos.
Assim, mesmo com a chamada "crise da sociedade do trabalho" e a emergência cada vez mais clara de um mundo dito "pós-industrial", parece que não caminhamos mais para um futuro colorido de "paraísos artificiais", cujo efeito liberador se imaginava inscrito numa virtualização da cidade. Ao contrário, com a crise ambiental global fomos devolvidos ao enfrentamento concreto de uma natureza que ameaça nossa sobrevivência, mostrando não ser tão dócil e ilimitada quanto se supunha.
Hoje, com o surgimento recente e a rápida generalização da internet, da globalização e da nanotecnologia, assim como das experiências de clonagem, cultivo de transgênicos e células-tronco, adentramos um mundo que imbrica e codifica as informações genética e digital, concentrando nelas a sua produção de riqueza.
Nesse contexto, se há uma mutação de fato ocorrendo na maneira de se conceber a construção, ela não descreve um deslocamento da forma para o símbolo, como queria Venturi, mas do mecânico para o energético, da tectônica para a biotécnica, do artefato estanque para o organismo que troca energia com o ambiente. Trata-se de admitir a onipresença daquilo que o antropólogo Bruno Latour ("Jamais Fomos Modernos", Editora 34) chama de "híbridos": eventos, ou objetos, que não podem ser classificados nem como naturais, nem como sociais "stricto sensu". Isto é, não estão restritos às esferas puras da ciência ou da política, ao mundo objetivo das coisas dadas ou ao campo de manipulação dos sujeitos. Como classificar o buraco na camada de ozônio, por exemplo? Evento natural ou humano? Nosso mundo, diz ele, é quase todo constituído por essa zona intermediária, na qual podem ser incluídos também os edifícios.
A idéia de sustentabilidade, na arquitetura, toca nesse ponto fundamental, vital tanto para a preservação do planeta quanto para a compreensão da nossa cultura-natureza. Se o selo ecológico para a construção é um álibi de salvo-conduto para o capitalismo especulativo, a noção de sustentabilidade terá, no entanto, de afirmar-se progressivamente como modelo para o futuro.


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