São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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Trilha do novo "Orfeu" inverte suas antecessoras

da Reportagem Local

No que diz respeito à trilha sonora, o "Orfeu" de Cacá Diegues é o reverso de seus antecessores, a peça "Orfeu da Conceição" (56), de Vinicius de Moraes, e -especialmente- o filme "Orfeu do Carnaval" (59), de Marcel Camus.
Se quando Vinicius e Tom Jobim compuseram, em 56, temas como "Se Todos Fossem Iguais a Você" (regravada agora por Caetano em pessoa) insinuavam a futura bossa nova em estágio menos que embrionário, em 59 a revolução já começara a acontecer.
Elizeth Cardoso (que deu voz cantada à Eurídice de Camus) já gravara "Canção do Amor Demais" (58) e João Gilberto já lançara a pedra crucial da bossa, o LP "Chega de Saudade" (59).
O próprio João se candidatou, segundo conta Ruy Castro na biografia "Chega de Saudade", a ser a voz do negro Orfeu -perdeu para Agostinho dos Santos, supostamente por ser branco demais.
Teimoso, gravou, ainda em 59, por conta própria, suas leituras de "A Felicidade", "O Nosso Amor" (ambas de Tom e Vinicius) e "Manhã de Carnaval" (de Luís Bonfá e Antonio Maria).
O que estava acontecendo? "Orfeu do Carnaval" se serviu da novidade da bossa, mas ainda explorada de forma intermediária, por intérpretes que, embora sensibilizados à nova ordem que nascia, vinham da velha guarda da canção.
O "Orfeu" de Caetano é quase inverso simétrico. Utiliza-se de orquestrações pomposas e conceitos da bossa -40 anos depois e, por isso, conservadores hoje- e de elenco de intérpretes colhidos, em geral, da nova geração de músicos.
Acontece que os protagonistas vocais eleitos são Toni Garrido (do Cidade Negra) e Gabriel o Pensador -a nata da juventude retrógrada da MPB-, mais a garotinha Maria Luiza Jobim, filha do pai, levada a soar como filha de Vanusa em "A Felicidade", apenas para servir à reafirmação do clã.
Se antes era novidade levada à moda antiga, agora o tom é de retrógrada "mocidade" mauricinha -para não descer ao nível de canto abaixo do suportável de Garrido, que destrói impiedosamente a "Manhã de Carnaval" de João e até a de Virginia Rodrigues, afilhada do mesmo Caetano.
Entender as razões de Caetano, agora, é de revirar os miolos. Obcecado em reafirmar pontos de vista conclusos, ele atira suas próprias crenças -em muito fundadas na excelência de João- no limbo. A trilha rola quietinha, anódina, nem parece passar pelos ouvidos. Ostenta-se a bandeira verde e rosa de insipidez e conservadorismo -tudo que antes passava longe de Caetano. É preciso muito exercício de lógica para explicar. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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Disco: Orfeu Lançamento: Natasha Quanto: R$ 18, em média

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