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ARTIGO
Repibléquimovies
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
De há muito radicado no Rio de
Janeiro, onde fez seu primeiro filme em 1962 sobre escola de samba,
Cacá Diegues veio ao mundo em
Alagoas. Ele nasceu em berço cultural privilegiado, filho do antropólogo e estudioso do folclore, Manuel Dieguês Junior, amigo de Gilberto Freyre e Luis da Camara Cascudo, os dois maiores intelectuais
do Nordeste.
A fortuna crítica de Cacá prossegue no cinema porque privou, desde quando era bem jovem, com
Glauber Rocha, de quem talvez tenha sido o amigo mais próximo.
Essa bela fraternidade, incluindo
amigos e mulheres, foi contada no
livro "A Revolução do Cinema Novo" (1980), dedicando muitas páginas exegéticas à filmografia do "irmão" Carlos Fontes Dieguês.
A favela, o Zumbi, "A Grande Cidade", sem esquecer "Xica da Silva", o filme de Cacá preferido por
Glauber, que aliás gostava dos romances de Jorge Amado, com
quem fez um curta-metragem convencional utilizando na banda sonora um elepê do cantor João Gilberto. Seu pior filme.
Existe um ruído esquisito entre a
macumba de "Barravento" e a literatura jorjamadiana, a qual apresenta o negro da Bahia como o dono do mundo, que é a protoideologia da tropicália baiana dos sixties:
a mistificação etnológica do papel
predominante do negro na cultura
popular brasileira, ou seja, a visão
sensual e hedonística da negritude.
O escravo negro sofre, mas também se diverte.
É inegável que, do ponto de vista
da exploração do trabalho, todos
nós somos devedores de direitos
autorais aos favelados. Do samba
de Nelson Pereira dos Santos ao
Maiocojequisô em Canudos, ou senão Zumbi visto por Orson Welles.
Curiosamente Glauber elogia
"Ganga Zumba", de Cacá Dieguês,
em detrimento do filme "Orfeu
Negro", do francês Marcel Camus.
Esse filme de 1959 foi também
criticado por Jean Luc-Godard na
revista "Cahiers du Cinéma", "O
Brasil Visto de Billancourt". Godard achou que Marcel Camus não
entendeu nada do Rio de Janeiro.
Ao cartão-postal de "Orfeu Negro"
contrapõe o documentário "Moi,
un Noir", de Jean Rouch, observando em seu artigo que, ao invés
de maquinista de trem, "Orfeu Negro" deveria ser chofer de lotação,
assistindo a sua querida esposa Eurídice aterrissar, entre o mar e o arranha-céu, no "pequeno e maravilhoso aeroporto Santos Dumont".
O crítico marxista Jean Luc-Godard, "marxista ocidental" segundo Perry Anderson, reclama que as
mãos de "Orfeu Negro" não estão
livres para pegar na moeda do absoluto, sendo que o cinema para
Godard é a história fotográfica da
mão, ou segundo a fórmula do sociólogo Edgar Morin: "a girl and a
gun".
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor
de ciências sociais da Universidade Federal de
Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre outros.
Filme: Orfeu
Produção: Brasil, 1999
Direção: Cacá Diegues
Com: Toni Garrido, Patrícia França
Quando: a partir de hoje, nos cines Paulista
1, West Plaza 4, Iguatemi 2 e circuito
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