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CINEMA - "O AMIGO DO DEFUNTO"
Produção radiografa o Leste Europeu hoje
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
A produção franco-ucraniana "O
Amigo do Defunto" é, a um primeiro olhar, uma amarga comédia
de erros protagonizada por um jovem intelectual desajustado.
Com um pouco mais de atenção,
percebemos que esse pequeno
grande filme é um exemplo elevado de um certo realismo crítico,
em que a trajetória de um indivíduo revela todo um amplo processo histórico-social.
O indivíduo, no caso, é Anatoli
(Alexandre Lazarev), intelectual
de 35 anos que sobrevive a duras
penas em Kiev, Ucrânia, fazendo
"bicos" como tradutor.
O contexto que suas desventuras
revelam é o da transição do socialismo totalitário soviético para o
capitalismo selvagem, processo
que tem gerado caos, violência e
desencanto no Leste Europeu.
Pela leitura do filme, o dinheiro
comanda hoje as relações humanas na Ucrânia, atropelando todos
os outros valores.
Anatoli é o exemplo vivo de uma
espécie que ficou para trás, a do intelectual humanista. Vive como
um marginal e é sustentado pela
mulher, que trabalha em publicidade e o trai com um yuppie.
Quando a situação lhe parece insuportável, Anatoli contrata por
telefone um assassino profissional.
Alega que quer se livrar do amante
da mulher, mas manda ao matador
sua própria foto e os endereços que
costuma frequentar.
Com os dias contados, Anatoli
envolve-se com uma jovem prostituta, Lena (Tatiana Krivitskaia),
desajustada como ele.
Para deter o mecanismo suicida
que colocou em marcha, só lhe resta contratar um guarda-costas.
Com economia de meios, sem
ênfase e sem discursos, o diretor
Krichtofovitch extrai o quanto pode dessa situação.
Apesar da naturalidade com que
os eventos e personagens vão aparecendo, nada no filme é aleatório.
Das roupas aos objetos, dos ambientes à conversa miúda, tudo
contribui para o retrato de uma sociedade em rápida transformação.
Um dos personagens-chave da
trama é Dima (Evgueni Pachin),
velho amigo de Anatoli que tem
um bar e vive agenciando pequenas e grandes contravenções (de
divórcios fraudados a assassinatos
por encomenda). Entre um porre e
outro de vodca, Dima mostra que
tudo tem seu preço, desde que pago em dólar.
Do ponto de vista formal, chama
a atenção o uso criativo e eficiente
da profundidade de campo. Em
vez de recorrer, como no cinema
convencional, ao campo/contracampo e aos diálogos como motores únicos da narrativa, Krichtofovitch prefere fazer a ação avançar e
tornar-se mais complexa no interior de cada plano.
Um exemplo: quando Anatoli
contrata um guarda-costas, este
pede-lhe uns minutos para se arrumar. Vemos então, no mesmo enquadramento: o homem, de costas, fazendo a barba; num canto do
espelho, uma foto sua, fardado de
militar; por uma janela, Anatoli,
que espera no quintal, impaciente.
Pode-se imaginar quantos cortes
e diálogos explicativos uma cena
como essa implicaria num filme
rotineiro. Mas este, definitivamente, não é um filme rotineiro.
Avaliação:
Filme: O Amigo do Defunto
Produção: Ucrânia/França, 1997
Direção: Viatcheslav Krichtofovitch
Com: Alexandre Lazarev, Tatiana Krivitskaia
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 2
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