São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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GASTRONOMIA
Livros que dão (ou não) baile

NINA HORTA
Colunista da Folha

Não é possível dar conta da resenha dos livros de cozinha que apareceram nos últimos meses. Há de tudo. Bons e maus.
Lá pelos anos 70 descobri Elizabeth David, em Londres, um simples livrinho na mão da cunhada. Só de olhar de relance desconfiei que descobrira minha guru. Como escrevia bem...Que intimidade total com o assunto!
Pois saiu a biografia de Elizabeth David, tão esperada. Muita gente gostou. E.D jamais quis que soubéssemos de sua vida particular, e agora temos historinhas de que gostava um pouco demais de vinho, tinha uma personalidade muito forte, não se dava muito bem com a mãe... e isto e aquilo.
Me dá uma raiva... Para começar, sempre tenho problema ao achar que o biógrafo tem que estar à altura do biografado. Biógrafo medíocre para grande biografado é um pecado, um contra-senso.
Em todo caso, ficamos sabendo que foram homens que impeliram Elizabeth David a escrever, por uma ou outra circunstância... O primeiro levou-a no seu barco para o sul da França, de lá foram parar na Grécia, e fugindo da invasão alemã chegaram a Creta. De Creta para o Egito. Se não fosse este romântico passeio ela não teria conhecido o Mediterrâneo, palco de seu primeiro livro "A Book of Mediterranean Cooking".
Depois deste romance resolveu se casar no Cairo (com outro) e do Cairo para a Índia foi um pulo. Não aprendeu muito com este marido, quase nada, nem se deu bem com ele, mas a experiência de comida indiana forneceu subsídios importantes para um livro sobre especiarias inglesas.
Mais tarde voltou seu interesse, que era muito ligado ao Mediterrâneo, para a Inglaterra e tornou-se uma pesquisadora acadêmica, perdendo por conseguinte muito de seu frescor e graça e ganhando em exatidão (a Cia. das Letras publicou seu "Comida Italiana", ainda do período cozinheira esperta).
Na verdade, ler este livro é ficar sabendo da vida dela sem insights, sem ligações da obra com a vida, só constatações que a mim não ajudaram em nada a conhecer melhor a mulher extraordinária que ela foi.
E o que mais temos na praça? Dois livros muito cariocas e muito feios, digo feios fisicamente, aquela coisa de letra miúda cor de rosa sobre fundo salmão que impossibilita a leitura. Nada como um bom livro à antiga, retangular, página clara e letra escura.
Um dele, ilegível salmão, é "Castro Maya, Anfitrião", homem que criou um estilo (1894-1968), grande colecionador, atleta e festeiro. Interessante como lembrança dos anos 30 e 40 com menus e receitas revistas por Claude Troisgros.
Outro é "Festas que Dão Baile", de Gilda Chataignier. Nele temos sugestões desde chás de panela, casamento no campo a batizados. Superficial, é claro, mas vale por ser dos poucos livros que tentam tratar do assunto festa com abrangência.
Quem conheceria, por favor, um livro sério, um manual de protocolo à mesa, de como receber autoridades, como sentar a rainha eventual, o príncipe visitante, o imperador de passagem? Este livro nos faz falta, deve estar enfurnado nas embaixadas, quando deveria estar nas prateleiras das livrarias no setor de regras de bom-tom. Tínhamos que lê-lo senão para conhecer as regras, pelo menos para desobedecê-las com conhecimento de causa.
Vamos a mais um. Maravilhoso e velho, já na 14ª edição. Como jamais me interessei por comida que cura e sempre por comida gostosa, nunca cruzei seu caminho. O nome é "Plantas que Curam". O autor, Silvio Panizza. É inacreditável, mas forçada pelas circunstâncias me tornei uma bruxa jeitosa, fazendo xarope para tosse, desentupindo canais lacrimais com calêndula, protegendo mucosas com caruru azedo. Um sucesso. Livro inteligente, fácil de ser manuseado e consultado. Feioso que dói, mas no caso não importa nem um pouco.
No mesmo caminho, agradável de ler e complementando o outro com o uso das vitaminas é o "Alimentos que Curam" de Miriam Polunin, da Marco Zero.
E qualquer dia voltamos a este assunto de se poder comer gostosamente o caminho para a cura. Andamos muito afastados do que comemos, o que é mau.
Agora, o melhor dos livros lançados ultimamente, de cozinha brasileira, é "Cozinha Típica Brasileira, Sertaneja e Regional", de Ana Judith de Carvalho. Ponho a explicação na boca da autora. "Basicamente entendo por comidas sertanejas aquelas provenientes e/ou influenciadas pelas áreas interioranas de qualquer região do país. Dentro desta abrangência conceitual, trago as receitas das comidas das cidadezinhas, das fazendas, dos engenhos, das estâncias, dos ranchos, dos galpões e algumas comidas realmente típicas."
É bom livro. É ótimo. Só de receitas, mas ótimo. Aliás, o livro da autora, "Comidas de Botequim" é um clássico.

E-mail: ninahort@uol.com.br


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