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GASTRONOMIA
Livros que dão (ou não) baile
NINA HORTA
Colunista da Folha
Não é possível dar conta da resenha dos livros de cozinha que apareceram nos últimos meses. Há de
tudo. Bons e maus.
Lá pelos anos 70 descobri Elizabeth David, em Londres, um simples livrinho na mão da cunhada.
Só de olhar de relance desconfiei
que descobrira minha guru. Como
escrevia bem...Que intimidade total com o assunto!
Pois saiu a biografia de Elizabeth
David, tão esperada. Muita gente
gostou. E.D jamais quis que soubéssemos de sua vida particular, e
agora temos historinhas de que
gostava um pouco demais de vinho, tinha uma personalidade
muito forte, não se dava muito
bem com a mãe... e isto e aquilo.
Me dá uma raiva... Para começar,
sempre tenho problema ao achar
que o biógrafo tem que estar à altura do biografado. Biógrafo medíocre para grande biografado é
um pecado, um contra-senso.
Em todo caso, ficamos sabendo
que foram homens que impeliram Elizabeth
David a escrever,
por uma ou outra
circunstância... O
primeiro levou-a
no seu barco para o
sul da França, de lá
foram parar na Grécia,
e fugindo da invasão
alemã chegaram a Creta.
De Creta para o Egito. Se
não fosse este romântico
passeio ela não teria conhecido o Mediterrâneo, palco de
seu primeiro livro "A Book of
Mediterranean Cooking".
Depois deste romance resolveu
se casar no Cairo (com outro) e do
Cairo para a Índia foi um pulo.
Não aprendeu muito com este marido, quase nada, nem se deu bem
com ele, mas a experiência de comida indiana forneceu subsídios
importantes para um livro sobre
especiarias inglesas.
Mais tarde voltou seu interesse,
que era muito ligado ao Mediterrâneo, para a Inglaterra e tornou-se
uma pesquisadora acadêmica,
perdendo por conseguinte muito
de seu frescor e
graça e ganhando em
exatidão (a Cia.
das Letras publicou seu "Comida Italiana",
ainda do período cozinheira
esperta).
Na verdade,
ler este livro é
ficar sabendo
da vida dela
sem insights,
sem ligações da
obra com a vida, só constatações que a
mim não ajudaram em nada a conhecer
melhor a mulher extraordinária que ela
foi.
E o que mais
temos na praça? Dois livros
muito cariocas
e muito feios,
digo feios fisicamente, aquela coisa de letra
miúda cor de
rosa sobre fundo salmão que
impossibilita a leitura. Nada como
um bom livro à antiga, retangular,
página clara e letra escura.
Um dele, ilegível salmão, é "Castro Maya, Anfitrião", homem que
criou um estilo (1894-1968), grande colecionador, atleta e festeiro.
Interessante como lembrança dos
anos 30 e 40 com menus e receitas
revistas por Claude Troisgros.
Outro é "Festas que Dão Baile",
de Gilda Chataignier. Nele temos
sugestões desde chás de panela, casamento no campo a batizados.
Superficial, é claro, mas vale por
ser dos poucos livros que tentam
tratar do assunto festa
com abrangência.
Quem conheceria, por favor, um livro
sério, um manual de protocolo à mesa, de
como receber
autoridades,
como sentar a
rainha eventual, o príncipe
visitante, o imperador de
passagem? Este
livro nos faz
falta, deve estar
enfurnado nas
embaixadas,
quando deveria estar nas
prateleiras das
livrarias no setor de regras de
bom-tom. Tínhamos que lê-lo senão para
conhecer as regras, pelo menos para desobedecê-las com
conhecimento
de causa.
Vamos a
mais um. Maravilhoso e velho, já
na 14ª edição. Como jamais me interessei por comida que cura e
sempre por comida gostosa, nunca
cruzei seu caminho. O nome é
"Plantas que Curam". O autor, Silvio Panizza. É inacreditável, mas
forçada pelas circunstâncias me
tornei uma bruxa jeitosa, fazendo
xarope para tosse, desentupindo
canais lacrimais com calêndula,
protegendo mucosas com caruru
azedo. Um sucesso. Livro inteligente, fácil de ser manuseado e
consultado. Feioso que dói, mas no
caso não importa nem um pouco.
No mesmo caminho, agradável
de ler e complementando o outro
com o uso das vitaminas é o "Alimentos que Curam" de Miriam
Polunin, da Marco Zero.
E qualquer dia voltamos a este
assunto de se poder comer gostosamente o caminho para a cura.
Andamos muito afastados do que
comemos, o que é mau.
Agora, o melhor dos livros lançados ultimamente, de cozinha brasileira, é "Cozinha Típica Brasileira, Sertaneja e Regional", de Ana
Judith de Carvalho. Ponho a explicação na boca da autora. "Basicamente entendo por comidas sertanejas aquelas provenientes e/ou
influenciadas pelas áreas interioranas de qualquer região do país.
Dentro desta abrangência conceitual, trago as receitas das comidas
das cidadezinhas, das fazendas,
dos engenhos, das estâncias, dos
ranchos, dos galpões e algumas comidas realmente típicas."
É bom livro. É ótimo. Só de receitas, mas ótimo. Aliás, o livro da autora, "Comidas de Botequim" é
um clássico.
E-mail: ninahort@uol.com.br
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